Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Wittgenstein

Em "Wittgenstein", alguns certamente estranharão a escolha estética que foge dos padrões do cinema dominante e chega a ser audaciosa ao usar recursos não tão óbvios, sendo tão simples como é a primeira vista.

Lançado em 1993, "Wittgenstein" traz a biografia do polêmico filósofo vienense do século XX, Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Temos uma filmagem que pode ser considerada até mesmo moderna, que vai entre a juventude e a maturidade, o homem e o filósofo, e os conflitos enfrentados com a sua homossexualidade. Um homem extremamente perfeccionista, que buscava resposta para questões de cunho importante ainda quando criança.

É interessante observar a dramatização da filosofia num filme diferente, que usa bastante do subjetivismo. A escolha de cenário (ou a falta dele) nos remete imediatamente para as peças teatrais, onde não há um abuso do espaço que a câmera proporciona normalmente a um diretor. Inclusive, a escolha do diretor nesse sentido é algo bastante claro: a impressão que o público tem é que ele filmou, de fato, uma peça. Essa idéia de captação pode ser vista também em "Dogville", de Lars von Trier (levando em consideração que este último foi feito dez anos depois). A maquiagem marcada, as cores efusivas e fortes, e a própria atuação dos atores (caricaturada diversas vezes) participam desse clima criado e torna toda a fantasia teatral mais marcante e óbvia ainda.

Os planos não são exatamente criativos, mantendo-se no básico da linguagem clássica. E apesar de serem importantíssimos (pois boa parte da ilusão que prende o espectador se deve a eles), nesse caso, acabam até mesmo abafados pelo roteiro. Ken Butler, Terry Eagleton e Derek Jarman (que também dirige o filme e já havia feito um trabalho similar em "Caravaggio", de 1986) dividem aqui os créditos desse roteiro. Os três merecem elogios, pois mesmo com o uso excessivo de chavões (conceitos do filósofo, soltos entre diálogos), na tentativa clara de conscientizar o espectador desinformado sobre a importância das teorias de Wittgenstein para a filosofia; conseguiram captar a essência necessária para satisfazer também aqueles que já tinham conhecimento do assunto. Eles passeiam com firmeza entre os dois momentos filosóficos da vida desse autor, mesclando-os e não separando-os, o que só tende a ser mais um ponto positivo. Se escrever é sempre fazer escolha, a deles se torna específica nesse exato momento: muitos (senão a maioria) dividem a vida produtiva do autor em duas partes, a jovem e a madura, como se fossem duas partes distintas e não complementares.

É interessante a idéia de eles juntarem o jovem Wittgenstein com o velho, mostrando um tema que sempre impulsionou várias discussões: o fato de que ele tinha uma extrema ligação com um lado quase imaturo, que por diversas vezes o fazia bater o pé para em seguida voltar atrás. E que seria esse um fato que só acrescentou às conquistas e descobertas, que iam principalmente entre os limites da linguagem e a colocação na natureza. É a típica história do menino que sempre foi rico, cresceu arrogante, e viveu muito sozinho. Ken Butler traz na bagagem uma boa dose desse tipo de conhecimento específico, junto a uma linguagem estética controversa, tendo realizado trabalhos como "Edward II", não tão comentado na época, mas que tem seu mérito.

A falta de uma trilha sonora mais presente provoca um certo incômodo à princípio, mas é compensada com os poucos momentos em que vimos um áudio que difere dos ruídos ou das falas dos atores.

Alguns certamente estranharão a escolha estética, que foge dos padrões do cinema dominante e chega a ser audaciosa ao usar recursos não tão óbvios, sendo tão simples como é a primeira vista. Mas é sim uma escolha interessante para quem curte filmes alternativos e não tem medo de testar coisas novas.

Beatriz Diogo
@

Compartilhe

Saiba mais sobre