Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de novembro de 2006

Paixão Sem Limites

"Paixão Sem Limites" possuía fatores determinantes para atingir o público satisfatoriamente, mas, ao não ter seus personagens aprofundados de uma maneira eficiente, acaba tornando-se apenas mais uma opção descartável a ser vista.

Romances e dramas comuns são facilmente encontrados. Agora um filme que possua, além de um aspecto dramático, um toque de suspense com obsessão, se bem administrado, pode realmente ter um diferencial. Teoricamente, "Paixão Sem Limites" poderia ser um ótimo longa, no entanto, na prática, não é isso que acontece. Caindo na monotonia em alguns instantes e sequer explicando o laço existente entre os personagens principais, a produção não consegue ganhar uma ínfima simpatia por parte do público, que simplesmente sai do cinema se questionando o porquê daquela paixão retratada no filme ter surgido. O diretor David Mckenzie tinha um bom elenco em suas mãos, no entanto, infelizmente, não soube administrá-lo de forma eficiente. Mesmo assim, alguns aspectos do filme ainda se salvam, e discorrerei sobre eles e outros fatos mais adiante.

A trama, de certa forma, é interessante e responsável por criar uma atmosfera de suspense. Baseado em um livro escrito por Patrick McGrath, o projeto cinematográfico acompanha Stella Raphael (Natasha Richardson), uma mulher linda cujo marido, Max (Hugh Bonneville), é um ambicioso psiquiatra forense. O homem é designado ao cargo de superintendente de um hospital psiquiátrico de alta segurança, por isso, ele e sua família, que inclui Stella e o jovem Charlie, filho do casal, são obrigados a irem morar em uma casa perto da instituição. Logo, a mulher conhece Edgar Stark (Marton Csokas), um escultor que está confinado por ter cometido o assassinato de sua ex-mulher. Com o homem, Stella finalmente se sente livre e com vontade de renascer. O Dr. Peter Cleave (Ian McKellen) começa a observar cuidadosamente a relação de Stella e Edgar. O médico possui um certo interesse por situações de patologia sexual e acredita que o casal esteja enquadrado neste quesito. Stella, então, se vê como o centro da atenção de três homens: seu marido, seu amante e doutor Cleave, cada um com desejos de possui-la. A situação se complica quando Edgar escapa do sanatório, e o caso existente entre ele e Stellar é descoberto. A mulher, determinada a continuar com o escultor, arrisca-se e foge. Para saber mais detalhes sobre a história, basta assistir ao filme.

A trama até começa de uma forma favorável. Logo no início, quando Stella e Max chegam ao novo reduto, há um suspense notável, fazendo com que nos interessemos mais pela história do longa. Em seguida, enquanto a mulher "passeia" pelo hospital psiquiátrico e conhece um pouco mais sobre o local, caminhando pelos seus corredores, é utilizado pelo diretor um jogo de câmeras notável, permitindo que o espectador realmente sinta como se fizesse parte do filme, observando o que Stella estava fazendo. Ora, se logo no começo do longa aspectos tão favoráveis assim foram ressaltados, por que o seu decorrer não seria tão interessante? Por vários motivos. O primeiro deles é a relação superficial de Stella e Edgar. Não sei como o relacionamento do casal foi abordado no livro, mas no filme não foi nem um pouco eficiente.

Na primeira parte do longa, há diversas cenas de sexo, visto que o laço existente entre Stella e seu amante é basicamente esse. Em certo momento do filme, subitamente a mulher se levanta determinada a fazer sexo com o homem e vai ao encontro dele. É, exatamente assim. Ela, casada com um dos superintendentes do hospital psiquiátrico, vê um paciente e acha que deve satisfazer todos os seus instintos carnais com ele. Em algumas pseudo-relações como esta de Stella e Edgar, não são necessárias trocas de palavras, apenas atos, de cunho sexual, de preferência. Pois é exatamente isto que acontece. Ela apenas sabia uma informação à respeito do homem, e uma nada favorável, por sinal. Era de conhecimento de todos que o paciente havia matado a sua mulher após uma crise de ciúme. Interessante Stella aventurar-se em algo assim, não? Corajosa! O problema não reside no fato de o filme abordar sexo, e sim em como foi estabelecida essa abordagem. As cenas poderiam possuir um quê de sensualidade, mistério e afins, mas não, nas mãos do diretor David Mckenzie, estes momentos apenas duram pouquíssimos segundos. Ora, se a relação existente entre o casal de protagonistas parece ser meramente carnal, tinha que ser retratada de maneira como tal, e o cineasta não precisa demonstrar um certo pudor para fazer isso. Aliás, pudor não seria a palavra certa, ele apenas não teve "toque" para tratar desse assunto.

O espectador simplesmente não consegue simpatizar com a motivação de Stella a continuar com Edgar. A relação dos dois era baseada em algo tão importante – que, sinceramente, não consegui descobrir o quê – para a mulher chegar ao ponto de deixar o filho de lado e fugir com o homem. Dizem que amor de mãe é o maior de todos, mas Stella contradiz isso. Mesmo que fosse desequilibrada mentalmente – e não estou afirmando que ela seja, isso não deveria acontecer sem a mulher, pelo menos, repensar a situação. Mckenzie dota o filme de um tom monótono, não sabendo administrar momentos cruciais à trama. No entanto, há alguns fatos que devem ser louvados. Quando Edgar finalmente se revela um psicótico, a história ganha um grau a mais de suspense, levando-nos ao questionamento sobre até que ponto ele chegará. Em espaços abertos, o diretor também consegue boas tomadas, revelando a boa fotografia do filme, que é simples, porém eficiente, principalmente nas cenas em que Stella viaja com seu filho, Charlie, e em alguns redutos próximos à sua primeira casa. Os ambientes, em geral, até mesmo os pequenos, são administrados de forma eficaz, inclusive os corredores do hospital, sejam eles dotados de iluminação forte ou não.

Outro fato bem abordado foi o contato, embora breve, que o espectador pôde ter com aquele mundo do sanatório. Ver o sofrimento de uma pessoa que era aparentemente sana é tocante. Faz com que percebamos que isto pode acontecer com qualquer um de nós. No entanto, o crucial realmente é não haver um aprofundamento maior nos personagens. As informações sobre eles são jogadas, não chegamos a compreender as suas essências e aflições. Outro aspecto que deve ser ressaltado de maneira desfavorável é a sua trilha sonora. Sinceramente, esta não ajuda em praticamente nada o desenrolar da trama. Não que as melodias sejam ruins, mas são usadas de maneira demasiada, muitas vezes aparentam uma forma "arrastada", não trazendo nenhum dinamismo ou suspense ao filme. Na realidade, em algumas vezes, fiquei inclusive me perguntando qual a real função da música em determinadas cenas. Lastimável, já que as canções realmente eram agradáveis.

O diferencial do elenco foi, como sempre, Ian McKellen. Na pele de Dr. Peter Cleave, mais uma vez o ator demonstra possuir talento para os mais diversos gêneros. Conseguiu compor um belo personagem dotado de intensidade e realidade. Se tivesse que escolher, diria que é talvez o mais precioso do longa, talvez nem tanto por Cleave em si, mas por McKellen. Natasha Richardson como Stella simplesmente não convence. Sempre com uma feição de infeliz, até mesmo quando está na presença de Edgar, a atriz não traz emoção à sua personagem, que se mantém sempre a mesma durante toda a projeção. Outro que se saiu melhor que Richardson foi Marton Csoka, o Edgar. Embora não tenha se destacado perante outros, Csoka também não decepcionou, compondo um psicótico até simpático. O marido de Stella, Max Raphael, é vivido por Hugh Bonneville, que fez uma pequena participação em "O Lugar Chamado Notting Hill". Outro ator que, se houvesse adquirido mais espaço na trama, teria se saído melhor.

"Paixão Sem Limites" chega para ser mais uma opção descartável nos cinemas e locadoras. Possui, de fato, uma trama interessante, mas a maneira como foi abordada a transformou em sacal e sem dinamismo. Aparentemente, os atores até tentaram, no entanto, como seus personagens não foram bem aprofundados pelo roteiro, nem todos conseguiram um resultado favorável. Sinceramente, neste filme, há mais aspectos ruins do que bons e, se eu fosse você, não perderia tempo conferindo uma produção rasa e superficial. Se deseja saber um pouco mais sobre esta história, talvez seja melhor comprar o livro no qual o filme foi baseado.

Andreisa Caminha
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