Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 16 de setembro de 2006

Abismo do Medo

Fazendo muito mais do que o esperado, "Abismo do Medo" consegue superar muitos filmes de terror dos últimos dois anos. Mesmo que utilizando de elementos mais do que batidos no gênero, mexe completamente com os nervos do espectador, levando-o a grudar na cadeira. Mas, claro, isso se você se envolve com os filmes. Está bem dentro da linha do recente "Viagem Maldita".

Depois de um acidente que deixou Sarah traumatizada, ela e suas amigas se reúnem para sua aventura anual. Cada ano é escolhido algo arriscado, no qual eles devem vencer seus medos. A bola da vez era a exploração de uma caverna subterrânea. O que começa com uma bela exploração, acaba se tornando uma aventura que elas não esperavam. O que virou uma aventura se torna agora uma dos piores pesadelos das seis mulheres e a luta pela sobrevivência, encontrando o seu pior lado.

Neil Marshall talvez não seja um nome conhecido, mas não há motivos para não ser. Controverso e sem temer que seus filmes sigam a linha do "trash", entregar um filme a Marshall é dar um tiro no escuro. É não saber qual será a receptividade do público perante o material filmado. Dono de uma pequena filmografia, contendo três filmes dirigidos, dos quais todos foi responsável pelo roteiro, Marshal chega ao Brasil com seu terceiro trabalho e impressiona.

"Abismo do Medo" mexe com os temores de cada um. Traz pessoas normais à tela, pessoas que poderiam ser próximas de nós ou até mesmo nós mesmos. Não coloca tanto estereótipo em seus personagens e ainda não subestima a inteligência do espectador. É preciso estar atento para perceber certas nuances do filme, para evitar de que se saia da sala perguntando: "Espera aí, mas por que ela fez aquilo?". Claro, é preciso ter estômago para ver determinadas cenas e a violência aqui apresentada pelo diretor é a mesma dosagem (se não maior) usada na violência em "Viagem Maldita" e "Jogos Mortais", e não simplesmente uma violência barata e sem sentido usada para mexer com o estômago do espectador como em "O Albergue".

O filme surpreende também por usar em mais de 75% de sua duração um elenco somente feminino, mostrando que filme de terror não precisa exatamente de homens. Ele embarca aqui na mesma exploração dramática ao usar o sexo feminino como sexo frágil/forte, que também foi utilizado recentemente em "Terror em Silent Hill". Uma opção verdadeiramente corajosa e que acaba fazendo com que o espectador tema pela vida das mulheres do filme. E justamente por fazer cada personalidade, mesmo que não rebuscada ou aprofundada, de cada uma delas bem próxima à nossa realidade, torcemos para que cada uma das seis saia com vida das profundezas escuras da caverna (que, acredite, é cenográfica! Com exceção da entrada da caverna aos 20 minutos de filmes).

Mas "Abismo do Medo" não é o tipo de filme para se apreciar ou entrar na sala de cinema esperando ver um filmaço. De fato, ele é muito melhor aceito quando não se espera muito de sua produção (aliás, a maioria dos filmes são assim), mas esta produção não chega a ser um exemplar magnífico em roteiro, claro que existem furos, mas mesmo assim o conjunto da obra fecha de forma satisfatória.

Não há do que se queixar do elenco! Composto por mulheres quase que desconhecidas do público brasileiro (somente algumas fizeram pontas em filmes importantes como Natalie Mendonza, que participou de "Moulin Rouge – Amor em Vermelho"), as mulheres conseguem dar um ar verdadeiramente aterrorizado, e por serem desconhecidas do público fica sempre o ar de quem realmente irá sobreviver, além de facilitar a identificação com todas as personagens e não somente a preocupação de que uma ou outra saia ilesa. Todas passaram por um duro treinamento de alpinismo para o filme, já que na maior parte dele elas precisariam passar que realmente sabiam o que estavam fazendo.

A trilha sonora também não peca. Pontuando aos poucos durante o filme, Neil Marshall opta por não colocar trilha nos momentos de suspense, deixando bem claro que você nunca sabe exatamente quando o susto irá acontecer (embora você saiba que o susto na cena está iminente).

Valendo-se dos clichês básicos, o filme consegue dar uma roupagem nova e levar o espectador para o ambiente claustrofóbico das cavernas, e isso é o melhor do filme. Mesmo assim, o longa não chega a ter um apelo tão forte para as salas de cinema, embora a experiência de assisti-lo em uma seja recompensadora.

Leonardo Heffer
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