Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Casa do Lago, A

"A Casa do Lago" não é apenas mais um romance facilmente encontrado nos cinemas. Este filme vai além e mostra como alguns relacionamentos atuais são, acentuando a distância e os obstáculos que podem ser superados em prol do amor.

O argentino Alejandro Agresti é famoso por dirigir alguns filmes em espanhol como "Valentin". Bem sucedido profissionalmente, o cineasta resolveu partir por outros mares. Agora, quis atingir o sucesso em Hollywood. Para isso, reuniu dois dos mais conhecidos atores atuais, Keanu Reeves e Sandra Bullock, em um romance dramático, remake do filme coreano "Siworae", roteirizado pelo praticamente novato no ramo cinematográfico David Auburn, que, anteriormente, apenas havia escrito o roteiro de "A Prova". A premissa, de certa forma, parecia um pouco batida. Em filmes, duas pessoas apaixonadas que se encontram distantes uma da outra por determinado fato não é algo tão difícil de ser encontrado (o último longa do qual consigo recordar que abordou esse assunto foi "E Se Fosse Verdade"). No entanto, a maneira como a história é abordada e como se encaminha acaba transformando o filme em uma produção diferenciada, digna de aplausos, lágrimas, risos e desejo de um dia poder viver um amor tão bonito quanto o vivenciado pelo casal de protagonistas.

Em "A Casa do Lago", Sandra Bullock vive Kate Forster, uma médica que abandona a casa onde morava, perto de um lago, com o intuito de mudar-se para um local mais próximo ao hospital onde passará a trabalhar, em Chicago. Na partida, ela deixa um bilhete na caixa de correio destinado ao próximo inquilino para que ele possa encaminhar toda a correspondência que, por ventura, chegasse endereçada a ela. Alex Wyler, interpretado por Keanu Reeves, é um arquiteto talentoso que compra a casa próxima ao lago. Ele, em tese, era para ser o novo inquilino. Alex começa a se corresponder com Kate através de cartas deixadas na caixa de correio da propriedade. No entanto, um problema será descoberto logo após. Um espaço de tempo separa o casal. Enquanto Kate vive no ano de 2006, Alex está em 2004. Unidos por este incomum fato, a cada troca de correspondência, tornam-se mais íntimos um do outro, dividindo segredos, dúvidas e sonhos, até que o improvável acontece: um sentimento de amor entre os dois começa a se desenvolver.

A princípio, a trama pode parecer um pouco confusa. Ora, como um casal consegue se corresponder mesmo separado por uma diferença temporal de dois anos? Essa dúvida é um dos muitos atrativos do filme, responsável por levar mais pessoas aos cinemas com o intuito de solucioná-la. No entanto, "A Casa do Lago" é bem mais do que questionamentos e expectativas infundadas. Embora possua algumas falhas visíveis de roteiro, o longa se mostra um projeto maduro, feito para agradar a opostos, mexendo com emoções das pessoas românticas e sensíveis e das mais frias e, aparentemente, sem sentimentos. Definitivamente não é apenas mais uma produção cinematográfica descartável encontrada facilmente nos cinemas e locadoras mundiais, trata de relacionamentos em geral, como as pessoas agem perante a perspectiva de serem magoadas ou até mesmo como um amor é capaz de resistir a uma distância, por menor que seja.

O diretor Alejandro Agresti mostrou-se bastante responsável ao lidar com distintas emoções. Ele dosa o filme não somente de drama, mas também de momentos divertidos e leves, não trazendo uma áurea pesada e densa à história. Este é um fato bastante importante, visto que nem todas as pessoas gostam somente de momentos dramáticos ou cômicos. Outro aspecto a ser ressaltado na direção do argentino é a sua eficácia ao mexer com os diversos planos, principalmente naqueles que a belíssima paisagem dos recantos da casa próxima ao lago figura. Agresti sabe valorizar as emoções dos atores, focalizando ou não a câmera quando acha necessário, e ainda nos apresenta a planos abertos que são responsáveis por um destaque maior da belíssima fotografia de algumas partes do filme. Acredito que muitas pessoas gostariam de possuir uma casa como aquela onde moravam Kate e Alex, não somente pela tranqüilidade, mas pelo ambiente agradável transpassado pelas lentes do cineasta.

O filme também conta com uma edição muito bem feita, principalmente no início, quando a transposição de cenas para um entendimento maior da história se mostra mais importante. Sem uma junção bem feita das várias tomadas, alguns espectadores poderiam ficar perdidos em meio à trama e não saborear a magnitude do longa. David Auburn pode não ter escrito o melhor roteiro do mundo, porém o seu intuito de mostrar o relacionamento aparentemente impossível dos personagens principais foi bem sucedido. Algumas falhas são visíveis, é verdade. Alex e Kate se correspondiam essencialmente através de cartas, no entanto, em algumas partes, parece que eles realmente estão dialogando entre si, como se um soubesse que o outro estava presente ali. Entendo que o diretor tenha usado deste artifício para manter um clima menos monótono, porém, com isso, toda a magia que deveria existir entre o encontro do casal acaba se perdendo, uma vez que, praticamente, os dois já haviam se "encontrado".

A solidão dos dois personagens é outro aspecto marcante. Ultimamente, está se tornando corriqueiro abordar como as pessoas apenas têm tempo para o trabalho e acabam esquecendo outros fatores importantes para a constituição de uma vida melhor. Kate, personagem de Bullock, é assim. Ela não possui vida social, mantendo relações basicamente com a mãe (Willeke van Ammelrooy), uma amiga de trabalho (Shohreh Aghdashloo) e o ex-namorado (Dylan Walsh). Para completar, obviamente a mulher teria que ser médica, um dos profissionais mais fáceis de serem retratados como aqueles que não vêem nada a não ser trabalho. Algumas vezes, até desejam manter um relacionamento fora da vida profissional, mas esta os sucumbe, não fazendo com que sejam felizes plenamente. Isto já é bastante típico em algumas produções cinematográficas que tratam de solidão e relações amorosas.

Todavia o longa possui bem mais do que apenas erros. Ele nos apresenta a um amor aparentemente impossível que poderia ser vivido por qualquer um de nós. Não digo isso por ser comum e provável que duas pessoas se apaixonem mesmo estando distantes por um período de dois anos, mas sim pela maneira como os relacionamentos atuais estão caminhando. Hoje em dia, distância, seja ela física ou psicológica, é comum nas relações amorosas, e como ela pode ser superada não é uma situação tão fácil de se lidar. Em outros momentos da projeção, fica notável que trataram de como atualmente as pessoas têm medo de que possam se apegar muito fácil umas às outras, preferindo, assim, distanciarem-se e ficarem com o que aparenta ser mais certo. Ora, mas como saber o que é mais certo se não nos arriscarmos? E é exatamente sobre isso que o filme trata, relacionamentos nos quais as duas partes têm que se arriscar para que o resultado final seja satisfatório. Kate até pensa em desistir, no entanto, o amor, que estava aparentemente esquecido em seu coração, fala mais alto, e ela decide partir novamente em busca de sua felicidade. Durante "A Casa do Lago", notamos que a espera pelo tão sonhado amor ideal pode valer a pena, mesmo que leve bastante tempo para conquistá-lo.

Aparentemente, Keanu Reeves e Sandra Bullock são bem amigos desde que atuaram juntos em "Velocidade Máxima", em 1994. Talvez, devido a isso, a intimidade entre os dois foi mais fácil de ser repassada ao filme. Embora não sejam exemplos no quesito atuação, os dois mantiveram uma química esplendorosa. Bullock, por incrível que pareça, até consegue nos emocionar. O casal de atores consegue estabelecer um relacionamento convincente, levando-nos a torcer pelo esperado final feliz. Outros que merecem destaque, mesmo não possuindo momentos tão marcantes e duradouros no filme, são Christopher Plummer e Shohreh Aghdashloo, interpretando, respectivamente, o pai de Alex e uma amiga de Kate. Plummer como Louis Burnham se mostra um homem duro e ao mesmo tempo sensível, que não quer deixar que suas emoções pelos seus dois filhos transpareçam. Já a iraniana Shohreh está cada vez mais trilhando o seu caminho em produções cinematográficas norte-americanas, demonstrando possuir responsabilidade para isso.

Os que esperam encontrar em "A Casa do Lago" apenas mais um romance descartável fruto de aspirações hollywoodianas irão ser surpreendidos. O filme vai mais além, mostrando-nos como os relacionamentos atuais caminham e os obstáculos que devem ser superados na busca do amor. A direção eficiente do argentino Alejandro Agresti é responsável por trazer bons momentos de diversão aliados a uma densidade dramática capaz de arrancar lágrimas até dos que não costumam chorar. Juntos novamente, Sandra Bullock e Keanu Reeves mostram que ainda são capazes de conquistar o público. O roteiro, embora possua falhas visíveis, consegue o seu real intuito, que é emocionar os espectadores. Ora, ao final da projeção, quem não aspirou viver um amor assim como o de Kate e Alex?

Andreisa Caminha
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