Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Serpentes a Bordo

"Serpentes a Bordo" já vem fazendo sucesso entre os internautas mesmo antes de chegar aos cinemas dos Estados Unidos. Camisetas, bonés e afins foram feitos sobre o filme. No entanto, como projeto cinematográfico, se mostrou bastante limitado, não despertando tanto o interesse do espectador.

"Serpentes a Bordo" tem início retratando um ambiente tranqüilo. Praia, mulheres e homens bonitos, diversão, tudo isso aliado a uma música igualmente leve. A princípio, o filme pode até enganar aqueles que não leram a sua sinopse ou prestaram atenção ao título (afinal, as palavras "serpentes a bordo" contam a real intenção do longa). Mas, definitivamente, não há nada leve nesta produção, tanto que, nos Estados Unidos, a sua censura foi para menores de 17 anos só acompanhados por adultos exatamente por conter muitos palavrões e mortes. E pode ter certeza, quem gosta de mortes de diversificados tipos, tem uma possibilidade maior de apreciar o projeto.

Embora se passe dentro de um avião a maior parte do tempo, a história até parecia um pouco inovadora. O surfista Sean Jones (Nathan Phillips) está nas belas praias havaianas quando é testemunha do assassinato de um importante promotor de Los Angeles. O responsável pela morte é Eddie Kim (Benjamin McKenzie), um dos bandidos mais temidos por sua crueldade. Kim esperava que, ao matar o promotor, todas as investigações feitas iriam, de certa forma, ser engavetadas, no entanto, sua situação pode ficar bem pior do que já estava, visto que Sean presenciou a crueldade da morte, tornando-se a única pessoa capaz de mandar o bandido para cadeia. O surfista, após ser convencido pelo agente do FBI Neville Flynn (Samuel L. Jackson) a testemunhar contra Kim, embarca em um vôo de Havaí a Los Angeles para se apresentar ao Grande Júri. Flynn tinha um bom plano. Usaria um jato particular como isca para que, assim, o avião onde ele e Sean embarcassem ficasse plenamente seguro. Todavia, Kim é mais esperto e descobre tudo. Ora, o que faria um homem como Kim numa situação como essa? Ele precisa assegurar que a testemunha que pode colocá-lo na cadeia jamais chegue viva ao seu destino. Para isso, coloca várias serpentes a bordo do avião. E não, não são cobras comuns, são de diversos tipos não encontrados nos Estados Unidos, assim o antídoto era difícil de ser encontrado. O caos toma conta do local. Os passageiros se desesperam. Numa situação como essa, o que resta? As pessoas, então, terão que se unir para fazer com que as cobras fiquem cada vez mais distantes, fato que não é tão fácil como parece, já que as serpentes surgem de qualquer lugar.

De um filme dirigido por David R. Ellis, cineasta responsável por "Premonição 2" e "Celular – Um Grito de Socorro", o que esperar se não características destes outros dois filmes? "Serpentes a Bordo" tem muitas mortes, assim como em "Premonição 2", no entanto, o suspense de "Celular" foi deixado de lado, o que é lastimável, visto que, com uma premissa de colocar cobras em um avião, o suspense e a tensão poderiam ser muito bem trabalhados. Aliás, em certas cenas, o que era para causar uma certa ojeriza e medo acaba se tornando hilário, com a existência de algumas situações bizarras. Entretanto, o que pode desagradar a muitos, acaba se tornando o ápice do filme. Mais uma vez, Ellis mostra que consegue abordar muito bem as infindáveis mortes e até parece se divertir com isso. No filme, para aqueles mais "macabros" (se é que essa seria a palavra adequada), as cobras picam os lugares mais impossíveis e inimagináveis. Olhos, pescoços, rostos, braços, seios e até o membro sexual masculino são alvos das serpentes. Não importa quão estranhas possam parecer, as mortes acabaram ficando divertidas e isso é fato. Se essa foi a real intenção do cineasta, sinceramente não posso saber.

Na produção, há falas previsíveis e claramente colocadas no roteiro após a sua finalização. Talvez eu estivesse afiada, mas, em certas cenas, me vi finalizando alguns diálogos ou pensando em completá-los. Ou talvez porque eu soubesse que a equipe, após o término da gravação do filme, teve que voltar aos estúdios para acrescentar algumas falas, como a "I want these motherfucking snakes off the motherfucking plane!". Os personagens (todos estereotipados, por sinal) não são bem explorados. São muitas pessoas, eu sei, mas poderiam ter dado um destaque maior a algumas. O longa parece ser feito claramente para o agente do FBI interpretado por Jackson. No entanto, o pior do projeto é a tentativa de atrelá-lo ao drama. Usam o fato de as cobras seres responsáveis por inúmeras mortes como artifício para tentar penalizar o espectador. Só que isto torna-se bastante difícil sem uma profundidade maior dos personagens. O público não cria nenhuma relação com eles, portanto não é capaz de sentir pena. Aliás, pena sempre existe, mas é aquela passageira, que resulta o tipo de pensamento: "ah, morreu? Que chato!". E, imediatamente, o falecido é esquecido e, logo em seguida, vem outra morte. Simples assim.

Como já citado, a premissa de "Serpentes a Bordo" parecia interessante, visto que não lembro de outro longa ter colocado em um filme um avião repleto desses animais. O que parecia ser intrigante, todavia, torna-se chato. Entendo perfeitamente que isso deveria ser feito, mas, durante quase 1h40min, da maneira como é abordado por Ellis, somente ver cobras atacando, pessoas fugindo, caos, pânico e afins é sacal. Pelo menos há algumas cenas engraçadas responsáveis por uma distração maior.

Não há muitas observações a serem feitas do elenco, afinal, os atores não permanecem tanto tempo em cena assim, sendo as cobras as reais protagonistas. Samuel L. Jackson já trilhou o seu caminho em Hollywood, no entanto, insiste em estar presente em produções não tão boas nas quais nem ganha um notório destaque. Bem, não importa em qual filme esteja, Jackson quase sempre agrada, e não foi diferente ao encarnar Neville Flynn. O restante da equipe de atores é retratado de uma maneira superficial. Uma atriz que até gostei foi Rachel Blanchard, responsável por interpretar Mercedes Harbont, a riquinha que valorizava mais seu cachorro do que a qualquer outra coisa. No início, Blanchard soube encarnar a perfeita patricinha fútil que depois se vê em uma enrascada e muda totalmente. Aliás, as mudanças dos personagens são engraçadas. Outro que também conquistou com seu jeito foi Flex Alexander, cujo papel é conhecido por Three G's.

Sintetizando, com uma trama que tem muitos aspectos para tornar uma produção cinematográfica interessante, "Serpentes a Bordo" peca ao não conseguir a simpatia de todos os públicos freqüentadores do cinema. Há alguns filmes de ação que agradam até os que não gostam do gênero, por exemplo. Este filme interpretado por Samuel L. Jackson não consegue esta proeza. É um longa descompromissado, que erra em alguns aspectos, porém, se for visto de uma certa maneira, pode até ser uma boa diversão. Somente isso. Ora, poderia ser bem pior. Pelo menos não soltaram cobras cascáveis nos cinemas brasileiros assim como ocorreu nos Estados Unidos, em uma sessão de estréia do filme!

Andreisa Caminha
@

Compartilhe

Saiba mais sobre