Após uma considerável espera, "A Dama na Água" finalmente chega aos cinemas brasileiros. O filme do aclamado diretor M. Night Shyamalan parecia possuir fatores que surpreenderiam até os mais incrédulos. No entanto, o roteiro, com uma abordagem bastante superficial dos fatos, infelizmente, não contribuiu para isso.
O que esperar de um filme feito por M. Night Shyamalan? O cineasta conquistou inúmeros apreciadores ao redor do mundo após ter dirigido o bem sucedido "O Sexto Sentido". No longa citado, o diretor realmente pareceu demonstrar todo o seu talento para o gênero suspense. No entanto, ao desenvolver "Corpo Fechado", "Sinais" e "A Vila", acabou definitivamente perdendo crédito (e com razão, diga-se de passagem). Agora, ele volta aos cinemas com "A Dama na Água". Seria possível que o cineasta surpreendesse a todos, assim como fez em "O Sexto Sentido"? Veremos no decorrer desta crítica.
O mais atual filme de Shyamalan traz como papel principal Cleveland Heep (Paul Giamatti), zelador (lê-se "faz tudo") de um condomínio. Após alguns acontecimentos estranhos, o sujeito deduz que alguém está fazendo uso da piscina à noite, em horário proibido. E descobre que suas intuições realmente estavam certas ao presenciar alguém nadando durante a hora não aceita. Com o tempo, Cleveland descobre que a moça, chamada Story, na realidade, é uma narf, uma personagem de uma história infantil descrita como uma ninfa aquática. Ela vem ao mundo real com uma missão bastante importante: fazer com que um escritor finalmente termine o seu livro que influenciará uma importante mudança no futuro. Durante a trama, ela é perseguida por um scrunt (uma espécie de bicho parecido com um lobo), que deseja impedir que ela retorne ao seu mundo e se transforme em uma Madame Narf (?). Com o auxílio de grande parte dos moradores do edifício (na realidade, todos realmente quiseram ajudar, não desconfiando nem um pouco da credibilidade da história), ela tentará voltar ao Mundo Azul, local ao qual pertence.
Nesta trama, Shyamalan tenta desbravar o mundo do imaginário, cuja abordagem pode fazer muito sucesso se for feita de uma maneira apropriada. Como eu disse, ele tenta, porque conseguir realmente, não consegue. Ao prezar por estabelecer uma relação paralela do mundo fictício com o real, o diretor e roteirista acaba dando destaque praticamente apenas à nossa realidade, deixando de fora muitos aspectos que, de fato, poderiam mexer com a nossa imaginação. Aliás, em uma trama cuja premissa necessita intrinsecamente que acreditemos na existência de Narfs, Scrunts, Tartutics e afins, tudo é muito jogado. Vai ver não entendi o filme, mas gostaria de saber o que faz uma Madame Narf em um tal de Mundo Azul. No mundo real, sei muito bem para que ela veio: inspirar o escritor para que ele terminasse finalmente o livro, cujo assunto principal era relações políticas, e seria exatamente a partir desta obra que uma criança se basearia para tornar-se um dos maiores líderes do país, e, conseqüentemente, implementar uma mudança. Ok. Mas o que diabos a Madame Narf faz no Mundo Azul? Tudo bem, não vamos nos prender a detalhes (na realidade, não considero um detalhe tão ínfimo assim).
Essas dúvidas são geradas devido o roteiro não trazer explicações para os fatos. É aquela velha filosofia: quem quiser, acredite; quem não quiser, paciência. Pois é. Muitos dirão que é preciso ter um pouco de "fé", já que esta é uma história de ninar feita para crianças (coitadas das pobres criancinhas!), mas, por favor, não vamos ser tão superficiais assim. A partir do momento que deseja encontrar uma relação do mundo real com o fictício, se torna necessário abordar os dois mundos, não de maneira igual, porém de uma forma que explique os fatos claramente. Havia espaço para que Shyamalan acompanhasse perfeitamente bem um mundo diferente do nosso, no entanto, ele pareceu se preocupar mais com reviravoltas desnecessárias para compor a trama. Para quem já assistiu ao filme, é notável que o diretor tenta surpreender com todo aquele jogo de curandeiro, guardião, intérprete, irmandade, não divulgando logo as reais pessoas responsáveis pelas funções citadas, todavia, não há tantas surpresas assim (com exceção de um personagem – muito mal trabalhado, por sinal – que, no final do filme, se mostra bastante importante para a volta de Story para o seu mundo). Digo com praticamente certeza que o filme inteiro poderia ter se resumido a bem menos tempo, o que nos pouparia um precioso tempo de nossas vidas.
Além disso, Shyamalan peca ao colocar diversos personagens em cena e se aprofundar em apenas poucos (lê-se Cleveland e Story, e olhe lá). Como já citado, preocupando-se apenas em mostrar reviravoltas no filme, o diretor deixa de lado momentos que poderiam nos agradar. Embora tenha apenas 110 minutos, o longa possui um ritmo que beira ao tédio, não conseguindo prender plenamente o espectador, até mesmo em cenas que praticamente imploram por tensão, como na que Cleveland vai ao encontro de um scrunt. Sem contar a fácil aceitação dos moradores do condomínio em acreditar que Story realmente é uma narf. Para entender toda a história da volta ao seu mundo da ninfa aquática, Shyamalan faz uso incessante de uma dupla de coreanas com o objetivo de que ela conte a história a Cleveland, isso leva, praticamente, boa parte do filme. Então, no final, ele simplesmente faz com que os outros personagens acreditem do nada em toda a história da tal narf, scrunt, tartunics, mundo azul, etc. Sinceramente, jamais me arriscaria ou seria levada a fazer algo para uma pessoa cuja origem mal sei. Em comparação ao restante do filme, a trilha sonora até que não foi ruim. As canções tentam dar um toque de suspense ao longa, e, se fossem bem administradas pelo diretor durante a projeção, provavelmente teriam alcançado este objetivo. No entanto, como suspense é um quesito que não existe na produção, acaba se tornando desnecessário esse esforço por parte das músicas.
Frustrações à parte, em um quesito o cineasta consegue ser bem sucedido: administrar os atores. Na realidade, diria que o que salva o filme são as interpretações. Paul Giamatti sai das sombras de seus papéis coadjuvantes para encarnar um Cleveland Heep melancólico e prestativo. Mesmo exagerando um pouco na "gagueira", o ator canaliza todo o sofrimento passado pelo personagem (em fatos anteriores à trama do filme). Bryce Dallas Howard mostra cada vez mais que não é apenas a filha do famoso diretor Ron Howard, e sim uma atriz que tem tudo para ascender profissionalmente em Hollywood. Com uma aparência que a deixou praticamente irreconhecível, ela compõe alguém amedrontada e vulnerável, fazendo com que nos penalizemos por sua personagem. Torço, sinceramente, para que Bryce continue escolhendo bem os seus futuros personagens e os desempenhe de uma maneira singular, pelo menos talento e fibra para isso a atriz já demonstrou ter. Como de praxe, M. Night Shyamalan também atuou em "A Dama na Água". Multifuncional o rapaz, não? Atua, dirige e roteiriza. Engraçado como nesse filme não consegue desempenhar perfeitamente bem nenhuma função. Até que ele não é tão ruim como diretor, agora, se dependesse apenas de seus dotes para as artes cênicas, creio que ele passaria fome. Bem, o restante do elenco é apenas o restante do elenco. Exatamente. Nenhum outro papel é marcante. Algumas cenas são interessantes, como as que envolvem o crítico de cinema, no entanto, como o personagem não é aprofundado durante a trama, nem compensa citar o trabalho do ator.
Por favor, não se enganem com o belíssimo pôster principal de "A Dama na Água". Analisar o cartaz definitivamente seria mais proveitoso do que criticar o filme em si. O longa possuía vários fatores para ser bem sucedido. Uma abordagem de mais efeito do chamado Mundo Azul, aliada a toques de suspense, poderia resultar em uma ótima produção. No entanto, algumas atuações ainda salvam o filme, fazendo com que a ida ao cinema não seja uma completa perda de tempo. Agora fica a pergunta: quem gostaria de contar esta tal "história de ninar" aos seus filhos? Só se fosse para assustar as pobres crianças.