Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de setembro de 2006

Dama na Água, A

Como os filmes anteriores de M. Night Shyamalan, "A Dama na Água" chega para dividir opiniões extremas. Dentro da linha proposta pelo cineasta indiano, no entanto, o filme se mostra bastante interessante.

Os filmes de M. Night Shyamalan, até agora, têm se mostrado divisor de opiniões. Há que odeie as tramas do diretor e roteirista, como há também aqueles que as cultuam, que acham nelas simbologias e conteúdo inovador. Eu, particularmente, sempre estive mais perto da segunda categoria de espectadores e afirmo novamente, após assistir "A Dama na Água", que Shyamalan é um cineasta que foge do usual, além de ser um roteirista ousado, que inova dentro do que é possível fazê-lo. O que causa tamanho estranhamento em grande parte do público que assiste aos filmes do indiano, no entanto, deve ser justamente seu estilo altamente peculiar. Shyamalan sempre aborda temas extraordinários em suas produções e a forma como são tratados esses temas é algo que exige um certo exercício de compreensão. Quem estiver aberto a esse estilo, certamente gosta dos filmes.

A trama em si não tem o mínimo compromisso com o conceito de veracidade. Cleveland Heep é o zelador de um condomínio onde vivem pessoas de diversas descendências. Certa noite, ele flagra uma criatura que vinha freqüentando a piscina dos moradores há algum tempo e descobre, aos poucos, que ela é uma Narf, personagem de uma antiga história de ninar, que precisa da ajuda não apenas dele, mas de outros moradores do condomínio para voltar ao seu mundo. Na medida que a trama se desenvolve, é apresentado um link entre o padrão da fantasia e do mundo real, sendo cada um dos personagens responsável pela personificação de uma determinada simbologia dentro de uma história.

A sinopse já entrega toda a margem deixada para críticas tanto positivas quanto negativas. Se por um lado a excessiva fantasia pode desagradar a muitos, é um fator determinante para o tipo de filme e o estilo do diretor. Shyamalan faz de um roteiro mirabolante uma mensagem muito simples de entender: tudo entre o real e o imaginário está interligado – até porque um não existiria sem o outro – e todas as pessoas exercem, em algum momento da vida, papel determinante para que algo importante aconteça.

Para criar a atmosfera adequada à história proposta, o diretor também abusa de seus artifícios típicos. Além da presença constante da água, elemento que sempre se mostra como um símbolo de extrema relevância em seus filmes, Shyamalan revisita a imagem do personagem principal como alguém que sofreu algum trauma no passado e em algum ponto da história é presenteado com a redenção. Essas marcas evidentes podem ser claramente identificadas nos outros filmes de linha semelhante do diretor – "O Sexto Sentido", "Corpo Fechado" e "Sinais" – e novamente se fazem presentes na produção em questão. Outra marca do diretor que pode ser novamente presenciada em "A Dama na Água" é a breve presença do diretor na frente das câmeras, sempre em papéis bastante secundários. Dessa vez, Shyamalan deu um papel um tanto quanto maior para si mesmo e isso o custou, inclusive, críticas severas dos estúdios aos quais o roteiro foi apresentado. Na pele do escritor Vick, o indiano não dá exatamente um show de interpretação, mas sua atuação, ao meu ver, está melhor do que o esperado.

O roteiro, por sua vez, foi bastante bem explorado, apresentando diversos aspectos de metalinguagem. Numa de suas falas, o personagem Sr. Farber fala algo como "não há mais originalidade no mundo" e em seguida comenta os pontos sempre batidos pelas tramas que vemos, até mesmo no filme a que estamos assistindo. É uma forma de se dizer que ainda que não se crie algo totalmente novo, vale a pena tentar inovar dentro do clichê.

O elenco segura o filme competentemente. Paul Giamatti, que se revelou em "Sideways – Entre Umas e Outras" após passar grande parte de sua carreira representando personagens medíocres em comédias dispensáveis, mostra que tem talento para o drama, construindo um Cleveland Heep cheio de trejeitos e particularidades. Bryce Dallas Howard, que interpreta a criatura da água, exibe um visual no mínimo diferente do que já tínhamos visto em relação à atriz e empresta à personagem toda a imagem de misticismo e fragilidade que deve aparentar. Todos os outros personagens não deixam margens a críticas negativas, estando todos acima do razoável.

Com o roteiro baseado na história de ninar que o próprio diretor inventou para seus filhos, "A Dama na Água" acrescenta mais uma boa produção com a assinatura de Shyamalan. Para quem aprecia o estilo do diretor, vale a pena conferir.

Amanda Pontes
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