Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de agosto de 2006

Trair e Coçar, é Só Começar

Seguindo moldes das comédias brasileiras, "Trair e Coçar" parece mais um exercício de como se fazer um seriado de televisão e investi-lo no cinema, para mostrar que a produção de filmes nacionais está evoluindo. Pena que mostra apenas um entretenimento razoável e pouco eficaz.

Baseado na peça homônima de Marcos Caruso que ficou durante 20 anos em cartaz em diversas cidades do Brasil, "Trair e Coçar, é Só Começar" centraliza sua história em Olímpia (Adriana Esteves), um atrapalhada empregada que começa a desconfiar que seus patrões Inês (Bianca Byington) e Eduardo (Cássio Gabus Mendes) estão tendo casos amorosos extra-conjugais. Já Inês desconfia que Eduardo a está traindo com Salete (Lívia Rossy). A mesma desconfiança tem Cristiano (Mário Schoemberger), marido de Lígia (Mônica Martelli), que acredita que ela está o traindo com Ricco (Mário Borges). Há ainda Vera (Márcia Cabrita), que desconfia que seu marido Cláudio (Otávio Muller) tem um caso com Inês. Toda essa confusão se passa em um apartamento de classe média alta, onde estas desconfianças causam várias confusões, e Olímpia terá que se virá para controlar (ou não) tais situações.

Fazer comédia é fácil. Fazer comédia realmente boa é o que é difícil. Partindo de um roteiro basicamente teatral, o longa acaba se perdendo um pouco da essência cinematográfica, mostrando-se pouco capaz de refletir o mesmo sucesso que fez nos teatros. Primeiro porque quando se faz uma peça teatral, o riso é conseguido principalmente através do contato mais íntimo que os atores têm com a platéia, gerando um dinamismo bastante interessante. Já no cinema, este contato se reduz e já não parece tão efetivo assim, aparentando mais como um desses programas de comédia dominicais que são apresentados na televisão aberta. E não somente em relação ao roteiro, mas também às técnicas cinematográficas que foram pouco trabalhadas na produção, o que é desgostoso, já que hoje vemos cada vez mais a televisão imitando o cinema (nas novelas, seriados e afins), aderindo suas técnicas de direção e roteiro; e não o contrário, como é o caso de "Trair e Coçar", mesmo porque a técnica cinematográfica exige muito mais do que a da tevê. Essa inversão acaba alterando na qualidade da película: tanto visual quanto como um roteiro cinematográfico.

A direção de Moacyr Góes caracteriza todo o processo televisivo em que o filme poderia muito bem se encaixar. As sensações que ele captou na maioria das cenas são as mesmas que qualquer 'couch potato' poderia ter sentado no sofá da sala de casa, o que causa um desaparecimento do brilho da sétima arte. As seqüências são trabalhadas de formas tão superficiais que não inovam em nada nem mostram alguma competência no fazer do cinema nacional. Uma despreocupação que Góes poderia ter ficado mais alerta. Até ao dirigir Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida ele aparentou ter uma sensibilidade mais apurada e até proporcionou boas cenas. E não é porque "Trair e Coçar" é uma comédia bobinha que se deve esquecer essa sensibilidade, principalmente buscando arrancar o riso da trama, coisa que não acontece nos primeiros muitos minutos, tornando-se até chata a apresentação dos personagens e suas ligações. Mesmo assim, do meio para o fim a história vai engatando e algumas boas risadas podem ser dadas.

Mas quando tudo parece estar melhorando, lá vem aquele desfecho típico da falta de imaginação e dos clichês nacionais, que, pessoalmente, eu acho mais irritante do que os clichês mexicanos, por exemplo. Aí sim a direção atrapalha totalmente o desenvolvimento da cena, fazendo planos fechados e captando falsas emoções que os personagens estariam sentindo em relação à protagonista e, como em um passe de mágica, tudo se transforma em azul e acaba. Coisa que, no teatro, poderia até ser mais agradável do que no cinema, e que realmente finalizou pior do que todas as outras comédias brasileiras que temos por aí, como por exemplo "Se Eu Fosse Você", que também não é a melhor comédia dos últimos tempos e tem seu final totalmente esperado, mas que ao menos foi trabalhado com naturalidade, sem desagradar muito. Reclamo disso porque é óbvio que as comédias que nossos diretores assumem podem ser muito bem harmonizadas com o roteiro e fazer com que o público realmente se divirta, como é o caso de "Sexo, Amor e Traição", onde o tema foi abordado com muito mais punho e responsabilidade. Tudo bem, eu sei que "Trair e Coçar" segue outra essência da traição, medidos na vista da empregada Olímpia, mas tudo é um ciclo que acaba se esbarrando em algum ponto.

Contrapondo tais deficiências, temos um elenco realmente responsável e bons demais para seus papéis. Adriana Esteves pode estar meio sumida das novelas globais, mas sempre se destacou em tudo que fez e, realmente surpreendeu com seu feeling para comédias, não fazendo de Olímpia um estereótipo nem exagerando no seu jeito de ser e que, certamente, cai nas graças do público nem que seja nos instantes finais. Cássio Gabus Mendes e Bianca Byington sabem conduzir seus personagens e confirmam a competência mostrada nos seus trabalhos televisivos anteriores. Aílton Graça continua se destacando e apresentando versatilidade nos seus trabalhos e fez de Nildomar um bom personagem que tinha tudo para se perder na história e ser descartável, mas que cresce com a responsabilidade do ator. Os outros integrantes do elenco até poderiam se destacar também, mas não conseguem por não haver abertura o bastante para eles. Uma pena, pois é o desperdício e a degradação de um bom elenco em uma história fraquinha, diga-se lá mediana.

De qualquer forma, "Trair e Coçar" é uma comédia leve, despreocupada e que arranca sim algumas risadas, mas que não funciona cem por cento nas telonas. Com uma direção praticamente inexistente e fora de contexto, não capta a harmonia que o elenco tenta impor aos espectadores, rebaixando o nível da produção que seria muito mais bem vista se fosse feita direto para DVD ou como um especial televisivo. Como ainda se iludem achando que o circuito das salas de projeção ainda não está saturado de produtos descartáveis (o que, obviamente, está), resolvem investir sem compromisso, mas isso pode se reverter e mostrar (mais) fraqueza do cinema nacional. E todos nós sabemos que temos qualidade e competência para fazer filmes bons, mas até quando fizerem os ruins ou medianos, será difícil continuar erguendo nosso cinema. E com "Trair e Coçar" ficamos apenas estagnados, não crescemos. Uma pena.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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