Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 01 de setembro de 2006

Protegida por um Anjo

Mesmo tendo ido direto para as locadoras americanas, "Protegida por um Anjo" entrou no circuito das salas de projeção brasileiras e, por mais que carregue a lindíssima Demi Moore no elenco, não consegue inovar no roteiro, mostrando-se apenas mais uma produção que usa do sobrenatural para atrair público e, convenhamos, já estamos cheios disso.

Tudo começa quando a bem renomada escritora Rachel Carlson (Demi Moore) perde seu filho de sete anos em um acidente na sua casa em Londres e, como qualquer mãe, passa a ter que lidar com a ausência da criança e decide, oito meses depois, viajar para um local isolado na pequena vila de Ingonish Cove para relaxar e tentar escrever um novo livro a ser lançado. Além da perda, seu casamento com Brian (Henry Ian Cusick) se dissolveu, tendo apenas na sua amiga Sharon (Kate Isitt) o apoio que precisa depois de ter enfrentado momentos tão difíceis. Indo morar na remota vila, Rachel conhece o faroleiro Angus (Hans Matheson) e tenta retomar sua vida, mas uma série de eventos sobrenaturais, misteriosos e aparentemente inexplicáveis começam a acontecer, e mensagens do seu filho parecem querer que ela tome cuidado com algo que possa vir a acontecer. A partir daí, ela precisa saber até onde ela está imaginando ou o que é realidade e provar para os habitantes da vila que não enlouqueceu.

Há filmes que não precisam mais ser feitos simplesmente pelo fato de não acrescentarem às telonas grandes novidades no desenrolar de uma trama de suspense, como é este o caso. Talvez se "Protegida por um Anjo" tivesse vindo há algum tempo atrás até poderia parecer um pouco mais original e ter efeito nas suas reviravoltas, mas atualmente o público tem se impressionado com pouco. Filmes como "Os Outros" e "O Sexto Sentido" já se encarregaram por entregar à audiência boas formas de desenvolver um suspense que funciona e impressiona, e tudo que tem vindo depois não passa de meras adaptações ou tentativas de criar um novo universo e uma nova roupagem ao gênero, o que ainda não está funcionando. E é o que prejudica principalmente o roteiro de Craig Rosemberg, responsável também pelo razoável "Ladrão de Diamantes". O também diretor parece que tentou de todas as formas maquiar a história cheia de clichês para aparentar novidade e ter efeito sobre o público, mas acabou caindo em uma cilada perigosa que resultou em prejuízo para a trama. Acredito até que a história poderia dar certo se ele tivesse experiência (e imaginação) o bastante para trabalhar em cima dela com sensibilidade e sem muitas voltas e reviravoltas, que acabam denunciando a intenção de Rosemberg em apenas tentar impressionar, deixando de lado muitos detalhes que, juntos, diminuíram a qualidade da projeção. Em certos momentos, a idéia do roteiro acaba sendo até confusa e sugerindo alguns questionamentos óbvios que não são bem respondidos e ficam na superficialidade, ou caem no lugar comum.

Rosemberg até começou a se preocupar com o início da sua condução como diretor, mostrando uma habilidade em montagens entre as cenas que se encaixaram muito bem, e usou fades com delicadeza e nas horas certas, mas parece que toda essa preocupação vai se esgotando do meio para o final da trama. Outro ponto que o diretor deixou a desejar foi no envolvimento com o elenco. É óbvio que a história poderia sugar mais a atuação de cada um, principalmente do elenco secundário, que não demonstra uma familiaridade com o papel, passando insegurança no que é dito ou poetizado no roteiro. Além de ignorar a capacidade máxima de muitos atores, Rosemberg mostrou seu amadorismo ao usar os efeitos visuais como a piada do filme. Atualmente a tecnologia permite ao cinema pintar e bordar com os efeitos computadorizados, mas parece que o diretor não quis usar esta liberdade, apelando para o uso grosseiro da tela azul/verde para fazer a montagem visual de cenas, que, por sinal, nem sempre finalizavam com uma seqüência competente. Contrapondo esta baixa preocupação de estimular o bom desenvolvimento da trama além da fraqueza do roteiro, o que acaba ajudando nos momentos mais intensos de suspense é a trilha sonora que, assim como o roteiro, não exagera em tentativas de sustos e trabalha ângulos de câmera interessantes, mas que se perdem até a finalização da seqüência. Realmente uma pena, pois foi com cada errinho bobo que poderia passar despercebido e com a despreocupação em fazer realmente um filme no mínimo competente que o diretor e roteirista decaiu a qualidade da projeção.

Demi Moore usa do tempo para ficar mais bela. Mostrando-se ainda em forma, a atriz usou seu nome para elevar o filme e até deve ter conseguido, mas também o sujou ao assinar uma personagem que tem êxito dentro da trama, ao se compor de uma forma neurótica, porém nada exagerada e sim natural, mas em um roteiro que atrapalha o crescimento do seu personagem, principalmente em relação ao seu filho, relacionamento no qual foi pouquíssimo abordado o amor que existia entre eles, passando a construir a história em cima de uma incógnita que responsabiliza o espectador a acreditar ou não naquele elo mãe e filho. E é só ela que é digna de boas críticas, já que, como foi falado, o elenco de apoio pareceu ter trabalhado com figurantes de última linha, que não conseguiam nem dizer seus nomes direito e alguns ainda precisaram falar uns dialetos gaélicos que são esquisitos e só confundem quem assiste, revelando-se nada mais do que uma forma de encher lingüiça que realmente não agrada.

De qualquer forma, "Protegida por um Anjo" é acima de tudo experimental e, diria, amador, não dando chances para tornar-se um grande filme. Mas até onde ele tenta melhorar, é notável sua tomada de fôlego para elevar o seu nível, não conseguindo, sendo melhor como opção de sessão da tarde ou para ser visto em casa, deitado no sofá, comendo pipoca e bebendo refrigerante, sem muitas expectativas. Com muitas falhas, não é o pior filme do mundo, mas também não chega a ser nem mediano. A única coisa boa é que não enche tanto o saco de quem assiste e é totalmente digerível e descartável, sem agredir muito nossa inteligência, saída que muitos filmes por aí têm feito na tentativa de fazer do suspense uma novidade e impressionar o espectador, mas acaba atacando a massa cinzenta de cada um, com a intenção de reduzi-la a pó. Um filme fraco, porém suportável. E quem sabe seja só um laboratório para vermos Demi Moore em breve atuando em grandes papéis. Tomara!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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