Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 08 de agosto de 2006

Assombração

"Assombração" chega para fazer número à enorme lista de filmes de suspense sobrenaturais orientais. Durante quase todo o tempo de projeção, tudo parece não passar de sustos gratuitos e apelativos para visual e criaturas para lá de bizarras, e, somente perto do final, uma história realmente parece surgir. Pena que, para muitos, já pode ser tarde demais.

Após o sucesso de "O Chamado", refilmagem do suspense oriental "Ringu", iniciou-se uma moda em Hollywood de refilmarem mais filmes sobrenaturais de nossos companheiros de olhos puxados, como "O Grito", "Água Negra" etc. Por saber que a fórmula funciona, está virando moda agora lançar os próprios filmes orientais aos cinemas mundiais, como aconteceu com o até bem sucedido "Espíritos" (produção tailandesa), e agora, "Assombração", de Hong Kong, chega tentando consolidar essa nova moda, apesar de uma divulgação um tanto reduzida.

O primeiro romance da jovem escritora Ting-Yin (Angelica Lee Sinje), que usa o codinome Chu Xun, torna-se um best-seller no sudeste asiático. É uma história de amor que fala ao coração de todos os leitores. Seu agente, Lawrence (Lawrenc Chou), anuncia o próximo livro da autora na noite de autógrafos. A obra irá tratar de forças sobrenaturais. Os leitores anseiam pelo lançamento do novo livro, cheios de expectativa de que a obra de ficção reproduza fatos reais da vida da escritora. O filme tem início com Ting-Yin começando a escrever o livro. Após rascunhar um capítulo, ela pára e envia o arquivo para a lixeira. Mais tarde, começa a ter visões, como a de uma mulher que aparece repetidas vezes em determinados lugares. Esses fenômenos não têm explicação e Ting-Yin passa a achar que o que escreve acontece no mundo real!

O mais horrível de tudo é que a mulher misteriosa que vai e volta é a heroína de seu novo livro, que saiu da ficção e surge na vida real. Ting-Yin tem dificuldades para distinguir o que é real do que é apenas imaginário… Mas logo percebe que talvez deva seguir a mulher das aparições até o outro mundo. Não é esse exatamente o tema abordado em sua nova obra? Vivenciar ela própria essa experiência não seria a melhor maneira de descobrir acerca do inexplicável? Então, uma noite, Ting-Yin resolve seguir a tal mulher até o outro mundo – um mundo no qual ela viverá o mais real e puro horror!

Antes de tudo, é bom afirmar que, felizmente, o tema sobrenatural de "Assombração" não envolve crianças que desencarnaram e perturbam os humanos, pois, convenhamos, creio que a maioria de nós está de saco cheio desse tema e, também, seria injusto demais o cinema oriental chegar ao nosso alcance unicamente através desse tema repetitivo. Dirigido pelos irmãos Oxide Pang Chun e Danny Pang, "Assombração" aposta na paranóia, no mundo de loucura em que a personagem principal se envolve. E isso, digamos que foi bem sucedido, já que as situações apresentadas são realmente perturbadoras e conseguem jogar o espectador na agonia da trama, de modo que muito do que é visto sequer parece ter sentido algum. Fãs do game "Silent Hill" (e em breve do filme) facilmente identificarão algumas semelhanças entre a trama do jogo e a desse filme, pois em ambas a protagonista aparece e desaparece inexplicavelmente em lugares cada um mais estranho que o outro, habitados por criaturas mais bizarras do que o Tiririca e o Sérgio Mallandro apresentando juntos o Jornal Nacional. Quem curte unicamente o mistério gratuito e se assustar com visuais aterrorizantes, a diversão está garantida.

Apostando simplesmente nisso, a dupla de diretores foi bem sucedida ao captar o mundo bizarro em que a protagonista vai parar sem nenhuma explicação lógica, pois o visual dos monstros e os cenários em si foram bastante caprichados. Ainda, sem dúvidas, um orçamento maior faria algo infinitamente mais realista e assustador, já que se nota a falta de recursos na maioria dos casos, e claramente se percebe a artificialidade de muitos detalhes, dando até vontade de rir ao invés de se assustar.

O problema fica mesmo para quem exige o mínimo do que um bom filme precisa para ter uma qualidade decente: uma história. O roteiro dos próprios irmãos Pang, juntamente com mais três colaboradores, se apresenta superficial demais, a ponto de sequer sabermos o que estamos assistindo, o porquê de estarmos nos assustando, e enfim, por quê diabos vultos aparecem na casa daquela pobre mulher e repentinamente ela entra naquele mundo sobrenatural. A intenção é simplesmente começar do nada a dar sustos, impressionar com visuais bizarros, e assim continuar até o fim, fazendo os espectadores de bestas por se impressionarem com algo sem nenhuma explicação. E há de ressaltar, sem criatividade também, já que são muitas as vezes em que o diretor apela para os batidos efeitos sonoros para provocar sustos gratuitos, além da fraca, aliás, péssima trilha sonora. Todas as canções, além de serem encaixadas fora de hora, em nada tendem a atenuar o que determinados momentos querem proporcionar.

Tamanha superficialidade deixa até o filme cansativo, apesar de possuir apenas 108 minutos de duração. A atriz principal, Angelica Lee Sinje, até que se esforça, fazendo um trabalho convincente na pele da perdida mulher, porém a coisa toda parece ficar tão arrastada que até seu desespero chega a cansar o espectador, que não vê a hora de vê-la se salvar (ou morrer) para que o filme acabe logo. Lá pelos minutos finais, finalmente tudo o que fora visto parece ganhar um sentido, e, por sinal, muito bem arquitetado pelo roteiro. O que era um suspense perturbador, acaba se tornando um drama psicológico e a tão aguardada lógica surge de um modo um tanto criativo e convincente, deixando para a reflexão e a montagem do enorme quebra-cabeças que ronda a história para após o fim do filme, dentro da cabeça do espectador. O problema é que esperamos tanto tempo desfrutando de imagens sem sentido para a história finalmente aparecer apenas no final. Lógico, um desfecho surpreendente é sempre interessante, mas apenas um desfecho sem um começo e um meio produtivos, infelizmente é pouco.

Finalmente, "Assombração" é um filme que não deverá causar tanto impacto, apesar do clima perturbador. Serve como uma boa diversão para os fãs de sustos e visuais agonizantes, e até mesmo para alguns que se apreciam o revirar criativo da história. Ainda assim, creio eu ser pouco para vangloriar a fama dos orientais de fazerem grandes filmes sobrenaturais. Ah, e também dificilmente "Assombração" ganhará uma versão estadunidense, algo que com "Espíritos" já está em fase de encomenda.

Thiago Sampaio
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