Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 06 de agosto de 2006

Zuzu Angel

Chegando de mansinho e logo virando objeto de desejo de alguns cinéfilos, "Zuzu Angel" chega às telonas para, acima de tudo, emocionar e registrar com ferro sua passagem na história cinematográfica brasileira, mesmo deixando a desejar no seu desenvolvimento técnico.

Situado na época da ditadura, o filme conta a história da estilista Zuzu Angel (Patrícia Pillar), um dos personagens mais fortes que tiveram voz na década de 60, lutando para que os assassinos de seu filho, o revolucionário Stuart Angel (Daniel de Oliveira), fossem julgados. Ao clamar por justiça em um país onde o sistema não permitia os fracos se manifestarem, Zuzu passa a incomodar e mostrar para a sociedade sua frustração de mãe ao perder um filho que se negou a ajudar a revelar o paradeiro de Carlos Lamarca (Paulo Betti), procurado por todas as unidades que regiam o país, sendo assim, torturado até a morte.

A cinebiografia da estilista pode ser considerada um dos últimos acertos do cinema nacional. Não que seja a primeira a ser feita, mesmo porque temos outras boas histórias que já passaram no circuito, mas por ter uma carga dramática forte e madura. Patrícia Pillar está indiscutível. Afirmo seguramente que não existe trabalho no cinema ou na televisão que ela tenha feito que adquira tanta notoriedade do que este. Pillar dá a Zuzu a força que precisa para lutar diante de uma situação irremediável em um país onde a liberdade de expressão precisava ser controlada para não contrariar o sistema imposto pelos poderosos. Daniel de Oliveira está a vontade no seu personagem e em uma boa sintonia com Pillar. Depois de interpretar Cazuza nas telonas, o ator vem mostrando sua competência e conquistando seu espaço. Os personagens secundários estão do jeito que o roteiro permite: despercebidos, porém agradáveis. A naturalidade da belíssima Regiane Alves, a experiência de Ângela Vieira, a docilidade de Leandra Leal e o escracho de Luana Piovanni ao interpretar a exótica Elke Maravilha, que não rendeu uma atuação tão notável, mas que não incomodou tanto.

Com um time de peso, o filme peca mesmo na sua estrutura técnica. Logo nos primeiros minutos de projeção, percebemos o constante uso dos flashbacks que viriam a constituir a narrativa para situar o espectador dos acontecimentos, principalmente aqueles que não conheciam a história de Zuzu. No começo, os flashbacks até tornam-se necessários, mas comete o erro de ficar em exagero, e do meio para o final, confundindo um pouco o espectador. Digo confundindo porque, em alguns momentos, não há uma associação lógica do que está acontecendo com o flashback, quebrando o desenvolvimento da história. Sérgio Rezende não falhou apenas na disposição das cenas, mas principalmente na direção, que deixou muito mais a desejar. No geral, percebeu-se a pouca preocupação em filmar planos significativos e que transmitissem as emoções dos personagens. Mesmo tentando consertar nos momentos finais, Rezende consegue apenas controlar seus personagens com brilhantismo e construí-los do jeito que quer, mas em termos de técnica, realmente decepcionou. Mesmo assim, ele consegue aqui e acolá uns planos interessantes, carregados de dramaticidade e que conseguem mexer com as sensações do espectador. Esta irregularidade na direção mostra um pouco a falta de versatilidade do diretor, que não procura, ao decorrer da trama, proporcionar muitas cenas boas que certamente renderiam.

Outro ponto notável do filme foi a caracterização feita nos personagens de acordo com a mudança das épocas que viviam. A preocupação em agradar também refere-se ao figurino dos personagens. Sem apelar para o estereótipo de roupas totalmente envelhecidas e nada atuais, em "Zuzu Angel" acerta-se ao vestir seus personagens de uma forma leve e adequada (a não ser a exótica Elke Maravilha, sempre cheia de apetrechos e cores), que foge de estereótipos irritantes. A trilha sonora segue o ritmo da história, dos momentos dos créditos iniciais ao final, onde a belíssima canção Angélica de Chico Buarque resume a vida e luta de Zuzu. E, no decorrer da trama, há um certo excesso ao usar a trilha sonora para forçar o público a ter determinada reação, assemelhando-se muito às produções internacionais, mas que poderia ser amenizada para o público reagir voluntariamente, coisa que certamente aconteceria, já que a história assume um caráter envolvente e delicado.

Apesar disso, o filme consegue mexer com as emoções do público, e isso é fundamental para seu sucesso. Não é fácil levar um personagem ao cinema que não fique na artificialidade. Além da competência de Patrícia Pillar, a história torna-se envolvente e consegue revoltar, angustiar e emocionar. Aquela busca incessante de Zuzu por justiça, seu apelo a todos os artistas e a idéia que poderia sim, sozinha, começar a abrir os olhos da sociedade tem um êxito estrondoso. Seu amor de mãe a transformou em uma verdadeira revolucionária, aquilo que seu filho realmente era. Por mais que não fosse às ruas protestar, ela protestava pela mínima brecha que conseguia e aquilo ia se tornando suficiente para ela, pois, por mais que ela fosse somente uma no meio de muitos, estava expressando sua indignação e revolta, contrariando o poder e virando alvo de ódio daqueles que cometeram o crime. A produção conseguiu mostrar bem como era o regime militar da época, suas ações e a frustração de seu povo, incomodando principalmente nas cenas de tortura de Stuart, onde fortalecia a desumanização da população, que precisava aceitar o regime. E, acima de qualquer contexto histórico, ainda tinha o amor de mãe e a decepção por não ter enterrado seu filho. A protagonista acerta ao não demonstrar um choro incessante a cada passo que dava buscando justiça, coisa que se tivesse certamente seria exagerado. Ali podemos ver a fibra de uma mulher querendo uma justiça para si e para seu país, um exemplo de determinação e coragem.

"Zuzu Angel" entra sim para a história cinematográfica brasileira e mostra uma vertente diferente dos filmes nacionais que fazem sucesso principalmente no exterior, não apelando para temas estereotipados como miséria e violência suburbana. Mesmo não sendo o primeiro filme a situar-se na ditadura militar, diferencia-se por partir de um pressuposto sentimental de uma mãe, talvez a figura mais importante da vida de cada um, conseguindo sensibilizar e aproximar o público do personagem, criando uma relação de intimidade e respeito. Apesar de não ser perfeito e ter seus erros, é digno de aplausos de pé, como se estivéssemos em Cannes, nos orgulhando do sucesso de um filme brazuca.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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