Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de julho de 2006

Sol de Cada Manhã, O

“Ninguém tem paciência comigo” é o que, por pouco, não escapa da boca de David Spritz (Nicolas Cage). Possuidor do emprego menos valorizado do jornalismo, do cabelo mais patético, do rosto mais risível e do sorriso mais babaca, David leva uma vida medíocre, recheada de pressão por todos os lados.

David perde a mulher por um pote de molho que esqueceu de comprar e agora vê-se dependente de uma família apática. Sua mulher está noiva de outro homem; o seu filho mais velho envolve-se com drogas e é levado a uma clínica onde, ingênuo, sofre nas mãos de um tutor pedófilo; sua filha, ainda com doze anos, demonstra uma extrema apatia por tudo e por todos; o seu pai, exemplo de grande homem, escritor de renome bastante premiado, encontra-se no fim da vida. A meta de David é, no mínimo, provar ao pai que é um bom profissional, que pode ser um bom chefe de família. Ou apenas provar ser uma boa pessoa.

A luta de David é dolorosa, pois nem os espectadores de seu programa lhe deixam escapar da desmoralização, atirando-lhe os mais variados tipos de fastfood nas ruas. O filme de Gore Verbinski é docemente cruel, assemelhando-se a um “Bem-vindo à casa de bonecas”, sendo que pra gente grande.

As semelhanças ao estilo de Todd Solondz são muitas, como a banalização da vida, a desesperança, a solidão e, principalmente, a fina ironia que se encaixa perfeitamente ao drama do protagonista, sempre fracassado e incompreendido.

Ao ver o filme, nenhuma palavra além de “impotência” me veio à cabeça. A situação de David diante da família que mais parece uma muralha de gelo é desesperadora, angustiante. E suas tentativas de afirmar-se para o pai, antes que este padeça, sem sucesso, mais ainda. Para colaborar com essa impressão, nada como a carinha de cão sem dono de Nicolas Cage, que cumpre bem o seu papel. Todo o elenco está bem neste filme.

É impressionante que um diretor de filmes como “O Chamado” e “Piratas do Caribe” parta para um drama humano como “O Sol de Cada Manhã”. O bom olhar de Verbinski é notável desde “O Chamado”, filme diferenciado essencialmente por sua direção minuciosa.

É importante também reparar no crescimento do chamado “mercado independente” dos Estados Unidos, formado por diretores como Solondz, Terry Zwiggof, Michel Gondry, entre outros bons nomes. Essa indústria tem nos trazido boas surpresas e, fatalmente, bons colaboradores na construção de um cinema mais humano.

Beatriz Saldanha
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