Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de julho de 2006

Poseidon

Para o espectador atento o desfecho é previsível, mas um filme não se torna mau por sabermos como irá terminar, pouco importa se os personagens são bidimensionais, não evoluam, e alguns se salvem para o resgate via helicóptero.

A Virtual Studios, Radiant Productions, Next Entertainment, Synthesis Entertainment e Irwin Allen Productions deram o suporte financeiro para essa custosíssima terceira refilmagem da tragédia do transatlântico Poseidon, agora com apenas 98 min. Co-produtores, dentre eles o próprio Wolfgang Petersen, diretor do filme, também contribuíram para concretizar o projeto, só mesmo possível pela magia do cinema. Cerca de 600 técnicos foram utilizados na produção, afora 5 diretores assistentes, um diretor de segunda unidade (Doug Coleman), um operador de steadicam (Gregory Smith), 30 especialistas em efeitos especiais, sem excluir aqueles incumbidos de operar os megatanques d´água dos estúdios da WB, não sem acidentes de pequena e média gravidade durante as filmagens.

Mestre do cinemão Classe A, cineasta competente, mas sempre de olho nos retornos das bilheterias, Petersen nasceu em Emden, Alemanha. Ex-estudante de Arte Dramática em Hamburgo, tornou-se assistente aos 20 anos e depois diretor do Teatro Jovem daquela cidade. Fez cursos de TV e cinema em Berlim (1964-66) e se iniciou nos curtas, tendo escrito também peças infantis. Sua paixão pelo mar é conhecida e este tem estado presente em muitos dos seus filmes. Depois do pleno êxito artístico/técnico de ´O Barco, Inferno no Mar´ (Das Boot,1981), com o qual foi indicado ao Oscar de Melhor Direção e Melhor Filme Estrangeiro, ganhou fama internacional. Prestigiado em Hollywood, Petersen tem tido carreira promissora, e esta já lhe permite ser co-produtor de seus filmes. Tem a seu crédito películas como ´A História Sem Fim´ (1993), fábula meritória sobre o valor da fantasia; ´Na Linha de Fogo´ (1993), ficção sobre psicopata obcecado em assassinar o presidente dos EUA; ´Força Aérea 1´ (1997), sobre seqüestro de avião presidencial; e ´Mar em Fúria´ (2000), sobre tragédia de embarcação pesqueira.

Os anos 70 parecem ter ressuscitado o gênero filme-catástrofe, filão rico, iniciado aliás com ´No Velho Chicago´, de Henry King (1938), e ´E As Chuvas Chegaram´, de Clarence Brown (1939). O ciclo Poseidon veio com o ´Destino do Poseidon´, do inglês Ronald Neame (1972), seguindo-se-lhe ´Terremoto´, de Mark Robson, e ´Inferno na Torre´, de John Guillermin, ambos de 1974, e a absurda segunda versão de ´Dramático Reencontro no Poseidon´, de Irwin Allen (1979). Outros títulos de disaster movies poderiam ser citados, mas estes dão idéia de como cresceu o gênero a partir da referida década.

O Poseidon de agora tem como fonte o mesmo romance de Paul Gallico, roteiro de Mark Protosevitch: onda gigantesca, à semelhança de um tsunami, emborca um verdadeiro palácio flutuante, enquanto ousados sobreviventes buscam uma saída desesperada para chegar até uma abertura no espaço das hélices. Muito improvável, mas isto é cinema, e na vida às vezes o impossível acontece: o pequeno grupo, do qual fazem parte um sessentão, duas mulheres, três homens e uma criança, encontra o caminho para chegar até às hélices em movimento, sem conhecer entradas e saídas, um labirinto claustrofóbico, com compartimentos em chamas, fagulhas, queda de objetos e inundados por água salgada em profusão, provenientes de toda parte. O grande navio, lemos, existe realmente, não é produto virtual. A recriação cenográfica é dos interiores, de quando se dá a catástrofe, e nisso se elogie o trabalho cuidadoso da produção, do topo submerso ao fundo exposto, dos interiores de primeira e segunda classe à casa das máquinas, tudo de cabeça para baixo.

Para o espectador atento o desfecho é previsível, mas um filme não se torna mau por sabermos como irá terminar, pouco importa se os personagens são bidimensionais (ou cardboard figures, na gíria hollywoodiana), não evoluam, e alguns se salvem para o resgate via helicóptero. Na primeira versão os efeitos chegam de forma retardada, pois Neame dá mais destaque aos personagens em face da morte próxima. Mas os efeitos alavancados por Petersen são inegavelmente superiores, outros recursos técnicos passaram a existir. Há falhas no roteiro, como o fato de não vermos ninguém no convés porque a equipe técnica está entremeando cenários e computação gráfica, bem assim diálogos curtos e bobos entre Josh Lucas e a argentina Mia Maestro (a noiva de ´Guevara´ em Diários de Motocicleta, de Wálter Salles, e a paixão de Miguel Angel Sola em Tango, de Carlos Saura). Supérfluas são as palavras do passageiro gay pela perda do amante e forçada é a utilização de um pequeno crucifixo (signo místico?) para desaparafusar uma grade de ferro através da qual se pode passar para atingir o topo.

A apresentação do filme com a câmera volteando o navio de estibordo a bombordo, da proa à popa e desta àquela, e depois a chegada inesperada da onda gigantesca, qual monstro tentacular vindo da abissal, confirmam a presença de um cineasta na direção do espetáculo, assim como a tensão bem articulada com o ritmo e os efeitos sonoros adequados à seqüência de eventos. Há méritos na fotografia em cores de John Searle, o cinematographer de Petersen em Mar em Fúria, bastando recordar o efeito da máscara lívida da morte de um integrante do grupo por afogamento. Dos principais intérpretes Richard Dreyfuss nos pareceu melhor, enquanto Mia Maestro aparece bem em poucas cenas. Klaus Badet compôs a pauta musical.

Isso posto, não vemos Poseidon como filme-pipoca ou filme ruim, como escreveram respectivamente os críticos paulistas Alessandro Giannini e L.C. Merten. Para os fins aos quais se propõe, trata-se de razoável entretenimento para fãs dos filmes-catástrofe. Poderia é claro, ter sido melhor, considerando-se a presença de Petersen no timão e a sabedoria de suas escolhas.

L.G. de Miranda Leão
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