Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de julho de 2006

Provocação

Um drama peculiar com um roteiro maduro e conciso, "Provocação" consegue o que muitos filmes do gênero não conseguem: montar uma boa história e não exagerar no sentimentalismo, sem medo de usar a competência dos atores e do diretor para resultar em uma história envolvente e delicada.

Adaptação do livro de John Irving intitulado “Viúva por um Ano”, o filme conta a história de Ted Cole (Jeff Bridges), um escritor de livros infantis que vive um casamento com Marion Cole (Kim Basinger) profundamente abalado após a perda de seus dois filhos em um acidente de carro há alguns anos. Cada um vivendo sua individualidade, eles passam a conviver com o remorso, o sentimento de culpa e a tristeza causada pela terrível fatalidade, onde o casamento já não existe. O que os dois não esperavam era a aparição do jovem Eddie (Jon Foster) que mudaria os caminhos já traçados pelos personagens. Buscando conviver com seu ídolo Ted e aprender mais sobre como ser um escritor, Eddie passa a manter um relacionamento muito pessoal com a família, até perceber que ele servia mais como motorista de Ted como editor dos textos do autor. Paralelamente, o adolescente acaba se atraindo por Marion, uma mulher silenciosa e machucada pelos acontecimentos do destino, que se sente mexida de alguma forma pelo jovem de apenas dezesseis anos, virgem físico e psicologicamente, que passaria a enfrentar situações que requerem muita maturidade para uma pessoa da sua idade.

O ponto forte de todo o longa com certeza são as atuações. É impressionante a desenvoltura com que Jeff Bridges constrói seu personagem. Um bom pai que reprime os seus sentimentos e procura distrações no seu cotidiano para não viver do passado, que se faz presente em todos os cantos da sua casa, cheia de fotografia dos filhos que morreram e de memórias do seu mundo exterior e do seu mundo de fantasia recriado em seus livros para as crianças. Uma mescla de várias personalidades que formam um personagem bastante enigmático e, de certa forma, surpreendente, pois se mostra no decorrer da trama mais do que nós esperávamos. Já Kim Basinger está fabulosa, demonstrando que a idade não é o suficiente para perder sua sensualidade e seu charme. Talvez seja o personagem mais sólido e complicado de toda a trama, pois pouco dela é revelado e ela mesma não se permite abrir sua vida, até encontrar o jovem Eddie e passar a viver um romance ousado e pretensioso. Basinger usa do silêncio para demonstrar muitos dos sentimentos de Marion e acerta em cheio na carga dramática do filme. Jon Foster mostrou responsabilidade ao atuar meio a dois veteranos nas telonas. Meio inseguro no começo, ele conseguiu demonstrar a vulnerabilidade do seu personagem e seu crescimento no decorrer da trama.

O que esses três personagens têm em comum é a brilhante forma como o psicológico de cada um é trabalhado na história. Nos primeiros instantes do filme, pouco se sabe sobre cada um, e o diretor e roteirista Tod Williams não tem medo de investir nos enigmas para que, mais adiante, tudo vá se esclarecendo, com diálogos simples, porém com um efeito ousado e diferente do que estamos habituados a ver. O enredo não apela para o extremo da tragédia para construir um drama maduro e que se abstém dos muitos clichês para atingir e envolver a audiência. Williams conduz a história com a competência de um veterano. Eclético e criativo, o diretor captou as idéias certas do livro e as transpôs em planos singulares e marcantes. A abertura que conseguiu atingir com Bridges e Basinger foi fundamental para conseguir a harmonia e segurança que são passadas em cena, abrilhantando ainda mais a produção, marcada também por uma trilha sonora singela, que entrega os momentos tristes, mas não deixa cair na depressão e não incomoda o espectador. Tudo segue um nível tão alto que até as possíveis falhas de seqüência passam despercebidas, não prejudicando tanto no andamento da trama, que, para os que não admiram muito o gênero, pode ter um desenvolvimento muito lento e parecer que nada acontece, mas não demonstra-se instável e inseguro.

Intitulado originalmente de “The Door in the Floor” (A Porta no Chão), parece não haver ligação com o título brasileiro, que insinua e interpreta a história de uma forma mais comercial do que preocupada com o que ela realmente conta. "Provocação" não chega a revelar nem um décimo do que o filme significa, e centra-se somente na idéia do triângulo amoroso, que não serve de premissa para o clímax que a trama atinge. Sem falar que a cena final acaba perdendo força pela não tradução correta do título, mas aos mais atenciosos, acabam por relacioná-la a um dos momentos que Ted conta suas histórias para uma platéia de curiosos, mostrando uma história metafórica e fantástica do que as pessoas fazem das suas vidas e como elas enfrentam as surpresas do destino. Particularmente simples e marcante, "Provocação" ousa e acerta ao construir um enredo denso e belo, no qual fica impossível não se identificar com aqueles conflitos sentimentais vividos pelos personagens ou com a fuga da realidade para um possível mundo paralelo que só nós mesmos entendemos. Não é o melhor drama dos últimos tempos, mas sem dúvida é envolvente e responsável, digno de muitos aplausos e méritos.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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