Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 24 de junho de 2006

Poseidon

Com as atuais (e poucas e péssimas) opções que estamos tendo que escolher quando queremos ir ao cinema, Poseidon chega para movimentar um pouco o clima sacal das salas de projeção, trazendo uma elétrica aventura submersa de realmente tirar o fôlego do espectador.

Começando com um estilo de filme pacífico (mas que, claro, sabemos que vai dar zebra toda aquela harmonia que os personagens estavam vivendo), Poseidon mostra logo de início alguns personagens soltos que estavam à bordo do luxuoso transatlântico para comemorar o reveillon e que teriam suas vidas cruzadas frente a um terrível fenômeno que causaria uma onda gigantesca e, conseqüentemente, viraria o navio, afundando-o. Depois de passar pelo choque com a onda do mar, os passageiros que sobreviveram esperavam que o resgate chegasse antes que a pressão pudesse forçar as comportas do navio e invadir o interior do mesmo. Como era de se esperar, nem todos concordam em sentar e aguardar o tal do resgaste, e um pequeno grupo de pessoas (aqueles, apresentados logo no início pacífico da trama) se juntaria para salvar suas próprias vidas, passando por uma aventura inimaginável e angustiante.

Poseidon é mais um na lista dos atuais e inacabáveis remakes e afins (adaptações, continuações…) que atingem as salas de projeção, provando a falta de criatividade hollywoodiana, mas acredito que ele esteja muito acima de vários desses filmes, pois consegue se sobressair dos outros, mostrando uma técnica bastante aguçada e uma forma de condução competente para não irritar o público com tanta cena de ação uma atrás da outra. Em determinado momento, nem passa pela nossa cabeça que ali está sendo adaptado uma produção dos anos 70, e tudo parece tão original (apesar de alguns clichês, claro) que transporta o espectador a um clima de tensão, misturado com angústia e que, inevitavelmente, gera uma grande torcida para que aquela jornada em busca do salvamento de suas vidas tenha um desfecho rápido, para acabar com o sofrimento daquelas pessoas. E hoje em dia está difícil achar uma película com essa tendência de excitar os espectadores e embriagá-los em momentos sensacionais e de tremendo fervor.

O diretor Wolfgang Petersen captou direitinho o que o roteiro realmente precisava passar e abusa da sua competência (mostrada anteriormente em Tróia e Mar em Fúria, por exemplo) para extrair cenas extremamente essenciais para o desenvolvimento da trama. Falo isso porque, visto por cima, é somente planejar alguns ângulos de onde serão rodadas as cenas da tragédia, por exemplo, mas nem é. Dá para ter noção da delicadeza e preocupação com que cada cena (algumas não durando nem cinco segundos) foi tratada juntamente à direção de arte e aos figurantes, que resultou em cenas realmente chocantes e sem medo de tornarem-se escrachadas pelo uso de uma intensa realidade com o que aqueles passageiros teriam sofrido na situação deles. Sem limites para brincar com os efeitos e causar um bom seqüencial (acho que um dos melhores que eu já vi em filmes de ação) no filme, Petersen soube aproveitar a redução do tempo do longa original e encaixar neste tempo as cenas mais precisas e corretas para cada situação. Talvez o único problema do brilhantismo do roteiro seja criar laços entre os personagens principais que acabam nem convencendo e não passando de uma superficialidade mal empregada e que faz com que contorçamos a cara com um pouquinho de desgosto por causa disso. De qualquer forma, a sintonia entre diretor e roteiro foi o essencial para que o filme não tivesse monotonia e soubesse lidar com todos os recursos que tinha em mãos, mesmo não dispondo de nomes tão avassaladores para uma produção do gênero, mas que escolheu um elenco no mínimo responsável para cumprir seus papéis e pronto, ponto final. Ninguém se sobressaiu. Até o experiente Kurt Russel parece meio perdido em alguns momentos, e a belíssima Emmy Rossum (aquela do Fantasma da Ópera) perde um pouco do brilho, o que não dá margem para criticar negativamente as atuações, e sim, confirmar que foram apenas normais e souberam lidar com o cenário, não passando nenhuma insegurança dos seus atos meio a tubulações e muita água, o que nem sempre é fácil para um ator. Até a participação da cantora do Black Eyed Peas, a Stacy Ferguson, ou popularmente conhecida como Fergie, não tem muita voz na trama. Quer dizer, ela apenas canta e só, momentos que poderiam muito bem terem sido cortados, mas que ao menos conseguiu mostrar a beleza da loira e fazer brilhar os olhos de alguns marmanjos.

O cenário é peculiar e delicado. Confesso que quando vi o transatlântico antes do acidente nem simpatizei muito, pois achei que poderiam ter investido mais no luxo interno e externo do Poseidon, mas quando ele vira 180°, parece que tudo que me decepcionou anteriormente se consertou. Cenografia invertida não é fácil de ser captada e ilustrada, coisa que o filme consegue com um excelente êxito. A direção de arte pintou e bordou no que sabia fazer e, juntamente à computação gráfica, formou um cenário realista, conseqüentemente, dando momentos tão realistas que causam um espanto. Claro, os efeitos visuais não são perfeitos, mas são quase. A artificialidade de alguns momentos é compensada por outros e mostra que o investimento em novas técnicas de computação está sendo feito para tornar os filmes mais reais e não agredir os olhos do público com efeitos de quinta categoria.

Enfim, Poseidon veio para dar uma nova e boa opção para quem gosta de cinema, abrilhantando com seu visual e dando momentos de pura tensão até o último instante. Aproveitando-se de alguns clichês, acaba tomando um nível de Missão: Impossível, pois, no auge da tragédia, os personagens tomam um caráter heróico que não os impede de fazer nada, nem de conhecer a fundo toda a estrutura de um navio, coisa que, sinceramente, se fosse eu, não saberia. Mas é algo a ser deixado de lado e aplaudir uma produção que tem seus grandes méritos e mostra uma verdadeira evolução gráfica. Saindo daquela listinha de refilmagens descartáveis, Poseidon talvez seja um grande acerto da Warner nos últimos tempos. Não falo em bilheteria, mas sim em produções agradáveis para se ver. Oito merecidas estrelas!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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