Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Cor de um Crime, A

Um filme explosivo que gruda o espectador na poltrona desde os primeiros minutos, tanto pelas atuações como pelos estranhos acontecimentos que, ao longo da trama, vão se desenrolando, além da sensação de que algo está errado na história que é contada. Uma guerra racista iminente travada na região sul dos Estados Unidos contemporâneo.

Que o racismo é um dos maiores problemas sociais dentro dos Estados Unidos (e em boa parte do mundo), quase todo mundo já sabe. Tocar em assuntos como esse tem sido o papel do cinema americano mesmo que de forma tímida, mas com grandes produções, como visto em 1996, com "Tempo de Matar", dirigido de Joel Schumacher. "A Cor de Um Crime" revisita o mesmo cenário psicológico e social do filme de 1996, onde a cor pode desencadear uma guerra travada entre as raças sociais divididas geograficamente por uma linha de trem (assim como em Tempo de Matar).

Uma noite, Brenda Martin entra em um hospital com as mãos completamente cortadas. Quando revela ter sido tirada do seu carro em um parque no bairro habitado predominantemente por negros, o detetive Lorenzo Council é chamado para cuidar do caso. Conhecedor profundo dos problemas e dos moradores do bairro, ele tenta resolver o problema descobrindo quem seria o homem que retirou Brenda a força do carro. A situação complica quando ela, completamente abalada, informa que seu filho de seis anos, que estava doente, estava no banco de trás do carro, e que o homem que levou o carro provavelmente não desconfia. Logo, o irmão de Brenda, Danny Martin, também policial, convoca uma grande força tarefa para confinar os moradores de Armstrong, um condomínio vizinho ao parque, acreditando estar o seqüestrador entre os negros daquele local. O confinamento se torna o estopim para uma grande guerra racial entre negros e policiais. Mas Brenda parece guardar muito mais informações do que ela realmente está fornecendo.

Joe Roth volta à direção nesse suspense, um gênero no qual nunca antes havia trabalhado. Seus trabalhos anteriores sempre foram comédias como "Queridinhos da América" (com John Cusack e Julia Roberts) e "Um Natal Muito Louco" (com Jamie Lee Curtis). Roth prova uma maestria bem próxima a Fernando Meirelles quando o assunto é direção de atores. Conseguindo dar um ritmo angustiante e tirar uma mais que excelente atuação de Julianne Moore (a cena em um interrogatório, para mais da metade do filme, é simplesmente de tirar o fôlego e de fazer cair o queixo). Outro que se esforça, e até consegue se sair bem em determinados momentos é Samuel L. Jackson, que simplesmente se "apaga" ao longo do filme. Aliás, Samuel L. Jackson e Denzel Washington parecem ser os atores preferidos para estarem em películas que falem sobre o racismo. Jackson esteve no já mencionado antes "Tempo de Matar", de 1996.

A história é baseada no livro homônimo de Richard Price, colaborador de longas datas nos trabalhos de adaptações de livros para o cinema em Hollywood, inclusive, o próprio autor trabalha na adaptação de seu livro para o filme. Infelizmente a adaptação claramente deixou alguns detalhes do livro de fora, e o clima iminente do ódio entre as raças, que, mesmo bem desenvolvido diante das câmeras, parece simplesmente não vir em um contexto histórico, já que não é todo o público conhecedor da ferocidade das rixas racistas em solo norte-americano. O filme simplesmente o joga no meio de uma história, e você acaba se sentindo meio perdido e o fato de estranhar o ambiente, de não saber ao certo o que está acontecendo, que eu acredito ser um fato interessante e que acaba por prender o espectador, pode também ser responsável por aqueles que simplesmente, desavisados, esperando algo no estilo de "Beijos que Matam", de 1997 (que, por sinal, é um excelente filme com Morgan Freeman e Ashley Judd, dirigido por Gary Fleder, diretor de "O Júri", de 2003), podem desistir antes da metade do filme (a comparação é feita embasado pelo cartaz dos dois filmes, que são parecidos). Um fator que em parte também é prejudicial ao filme é o ritmo que é dado ao desenrolar da história, que muda umas duas vezes de uma forma mais rápida de contar o desenrolar dos eventos, para uma outra bem mais lenta, que pode acabar cansando o espectador devido a carga emocional do filme e a quantidade de informações.

Mas são fatores esses que, acredito, não prejudicaram realmente os pontos positivos do filme que jaz na história e nas interpretações de primeira (e aqui novamente tenho que mencionar que Julianne Moore está mais do que excelente no filme, parecendo dar uma profundidade muito maior do que ela emprestou à sua personagem Telly Paretta, em "Os Esquecidos", de 2004, no qual ela interpreta uma mãe que não queria esquecer das lembranças de seu filho que já havia morrido – infelizmente o filme, que teria uma trama excelente, acaba dando lugar a uma forçada história de ficção científica, que acabou não agradando a muitos).

"A Cor de Um Crime" é um filme que poderia compará-lo à força de "A Vida de David Gale" (com Kevin Spacey e Kate Winslet, de 2003, com direção de Alan Parker, de "Evita"), ou seja, são dois filmes que infelizmente farão mais sucesso em um sábado à noite com uma bacia de pipoca no conforto do sofá de casa do que nas salas de cinema.

Leonardo Heffer
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