Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 14 de junho de 2006

Meninos Não Choram

Baseado em fatos verídicos acontecidos em 1993, em Nebraska, Meninos Não Choram foi a forma como a diretora e roteirista Kimberly Peirce achou de explorar o preconceito homossexual e reproduzir a tragédia ocorrida com Teena Brandon, ou melhor, Brandon Teena, que se refugiou em Falls City procurando viver uma vida digna, que acaba seguindo por um caminho obsessivo e definitivo.

Meninos Não Choram conta a história de Teena Brandon, uma menina que tinha conflitos de identidade sexual, devido a isso se vestia como menino e tomava a identidade de Brandon Teena, galanteando e conquistando várias moças por onde passava. Sem querer aceitar seu homossexualismo, Brandon achava que poderia levar uma vida de mentiras, na qual construía uma verdadeira farsa para si e para aqueles com quem convivia. Ele conhece um grupo de aventureiros, no qual é aceito, e descobre estar verdadeiramente apaixonado por Lana, uma das integrantes desse grupinho. Sem medir conseqüências, Brandon decide se mudar para Falls City, em Nebraska, partilhando momentos felizes com sua nova família e se apaixonando cada vez mais por Lana, que, como os outros, acreditava que Brandon era mesmo um menino. Como toda mentira tem perna curta, os fatos vão pendendo para que a verdade venha à tona e uma reviravolta na vida dos personagens acontece e nada será como era antes.

O protagonista é, acima de tudo, um ícone, e foi isso que chamou a atenção da diretora Kimberly Pierce. Ele sintetiza muitos conceitos que foram abordados no filme com uma forma verídica, muitas vezes nem se importando com a delicadeza ao abordar assuntos como homossexualismo, estupro, assassinato e desmoralização. Brandon seria o melhor objeto de estudo para recriar sua vida pouco conhecida para as telonas e trazer para o histórico cinematográfico um drama realmente forte e inesquecível. O roteiro de Pierce pode até não ter uma continuidade e se abster de muitas explicações que precisavam ser dadas acerca da história, mas não deixa a desejar quando monta o personagem principal e os secundários. Com extremo sucesso, consegue conduzi-los a um verdadeiro universo que perde as características de película, transportando o público a uma realidade, despertando emoções e reações diversas no espectador. Apesar disso, Piece, que também dirige o longa, acaba pecando ao explorar pouco as imagens e situações, que podem até passar despercebidas pela intensidade da trama, mas, sem imagens que sustentem um roteiro, tudo cai em um conceito secundário e pouco agradável. Mesmo fragmentando muito a história em alguns momentos, a diretora consegue apenas ser razoável, deixando o êxito do filme nas mãos do elenco.

E que elenco! Hillary Swank assumiu outra identidade. Ali não era ela. Por vários momentos esquece-se que Brandon é uma mulher, principalmente uma mulher com características tão sutis como Swank. É impressionante a montagem do seu personagem. Um novo andar, um novo falar, um novo agir. Tudo novo. São em personagens assim que conseguimos medir o profissionalismo dos atores e, se alguém tinha dúvida que ela pudesse ser tão talentosa, acredito que não tem mais. O mesmo acontece com o elenco secundário. Cada um na sua particularidade estava competente, com destaque para a coadjuvante Chlöe Sevigny, o par romântico do protagonista. Sevigny nunca demonstrou tanta segurança em um papel, passando suas emoções com brilhantismo em cada simples cena que se seguia na história. A harmonia entre Swank e Sevigny faz o espectador acreditar em um amor que vai além do que podemos ver ou sentir através das demonstrações de afeto dos seus personagens e, conseqüentemente, tem êxito ao fazer o público torcer por um final feliz.

Mais que um drama, uma história sobre identidade, esperança e superação. Um modelo de como encarar a vida, de como se encaixar nela e vivê-la com intensidade. Uma aventura que valeu mais do que qualquer final trágico nas páginas dos jornais americanos que denunciavam um crime horrendo devido ao preconceito e ao sangue frio dos criminosos. Uma história onde existem sonhos, desejos, realizações, mentiras, trapaças, e estuda o ser humano em suas várias vertentes e personalidades. Um símbolo de uma sociedade contemporânea repleta de anseios do passado que já poderiam ter sido extintos e assumido uma maturidade aceitável. Mostra um exemplo de vida a ser seguido, sem fazer apologia ao homossexualismo, e sim estimula viver uma vida intensa, mesmo frente a seus perigos e incertezas.

Enfim, Meninos Não Choram é um brilhante resultado de uma pesquisa de cinco anos para entender o protagonista no contexto em que vivia, mostrando uma verdadeira tragédia americana abordada sem medo, que conquistou o público e, acima de tudo, serviu de exemplo para pensarmos no modo de como vemos nossa atual sociedade, sem seguir uma linha moralista e sensível, usando o realismo para denunciar e sensibilizar. Tem seus eventuais erros de direção, roteiro e seqüência, mas não perde o brilhantismo da obra, que mostra Hillary Swank em uma performance mais competente da história cinematográfica americana.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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