Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 07 de junho de 2006

Profecia, A

Frustrante. O remake do clássico de A Profecia de 1976 teve todo um burburinho para ser lançado, inclusive tendo estréia mundial no dia considerado da besta (06/06/2006) e não passa de uma produção medíocre e uma prova que a pressa, a gana de encher os bolsos e a criatividade de Hollywood um dia vão explodir a indústria cinematográfica.

A história atualizada para nossa época e, segundo o diretor, original até nos diálogos e pormenores, mostra a vida de um diplomata americano que perde o filho ao nascer e é convencido a adotar uma criança para compensar a morte, sem contar a verdade para sua esposa, que criou o menino como se fosse do próprio sangue. O menino Damien, que havia nascido às seis horas do sexto dia do sexto mês fez cinco anos de idade e começou a se envolver em estranhos acontecimentos que não se justificavam. A mãe do menino começa a notar os incidentes e a temer o próprio filho, até adotar uma nova babá, que, em tese, tomaria conta do menino. Blá blá blá e o pai de Damien compreende que seu filho é nada menos que o Anticristo anunciado em velhas profecias e tenta salvar sua própria vida e das pessoas ao seu redor, antes que ocorram mais catástrofes.

Na sinopse tudo é muito lindo. No trailer a excitação toma conta do espectador. Nas notícias e depoimentos que lemos por aí tudo é tão verdadeiro que começamos a pensar que não teria como não ser um filme bom… até assistirmos. Calma, vamos por partes. o roteiro de Dan McDermott, baseado no original de David Seltzer, apresenta-se muito deficiente. A fragmentação dos acontecimentos e a despreocupação em expor uma história linear e perfeitamente perceptível ao público fazem do que poderia ser uma boa opção nas salas de projeção de todo o mundo, um filme fraco e bastante dispensável. Os fatos são tão ralos que o desenrolar da trama se torna superficial e repleta de cenas grotescas que apelam para o susto e acabam sendo mais uma bola fora. Não, não adianta mais brincar com a inteligência do público. Seguir uma linha objetiva e, no mínimo interessante, é o primordial para esses filmes do gênero e infelizmente não é visto em A Profecia. A superficialidade reina em cada cena e tudo parece tão pronto e preparado para que o espectador simplesmente aceite e não se questione dos furos e mancadas que o filme dá.

Ainda mais quando temos um elenco que não ajuda muito. Os pais do garotinho demoníaco Liev Schreiber e Julia Stiles são até competentes, mas não convencem em seus papéis e na sua relação conjugal. Damien, personagem de Seamus Davey-Fitzpatrick parece ter apenas uma única expressão o filme todo. Sempre emburrado com a alguma coisa, o menino quase não tem falas e o que era para ser o centro do filme e de seu desenrolar, é só uma citação no meio de uma história que se interliga em uma esquina ou outra. Ele é o objeto de um enredo que praticamente o cita como o fim do mundo, aquele que vai causar o apocalipse e nem voz ao menino é dada. Ele não aparenta ser o Anticristo e o roteiro não faz por onde ao menos o associemos como o filho do demo. A babá interpretada por Mia Farrow entra na história do nada e pouco é trabalhado em cima dos seus objetivos em proteger aquela criança demoníaca. Tudo bem que podemos deduzir pelo óbvio, mas a futilidade com que os personagens são postos em cena dá vontade de dar uma sacudida em cada um para ver se descobrimos algo mais sobre eles. O fotógrafo interpretado por David Thewlis segue o mesmo rumo. Começa tirando fotos, se envolve com o caso do Anticristo e não sabemos a fundo o porque. Com esse elenco ‘de primeira’, é bem provável que nem ao menos nos assustemos com os momentos (felizmente, poucos) que são usados para causar aquele susto de filme de terror… algo sempre relacionado a espelho ou pessoas aparecendo em lugares que já sabíamos que iriam aparecer. Tudo estereotipado e esperado. Pecam em errar os momentos de susto e em deixar passar muitos momentos da história em que o terror poderia ser explorado e bem trabalhado.

O diretor John Moore é apenas responsável. Tanto ele quanto os cenários começam meio tímidos, perdidos no meio de uma história que tenta convencer e não te prende, mas depois vamos percebendo que a direção vai se encontrando no meio de tantas falhas. Como falei, a cenografia é bastante interessante. O vermelho sempre se sobressaindo em todas as cenas deu um toque especial na fotografia e foi bem utilizado tanto em destaque com um cenário claro quanto em cenários mais obscuros. Os efeitos especiais é outro ponto fraco do filme. Poucas mortes e poucos sangues convencem. O grotesco faz questão de poluir um filme que tinha tudo para ser, pelo menos, visualmente agradável de se assistir. Quando pensamos que o enredo vai se encontrando e que tudo está perfeito, vem algo que faça o nível da produção cair e permanecer lá embaixo.

De qualquer forma, Hollywood passa por uma crise, principalmente com filmes de suspense e terror, que não saem daquele lugar comum e da superficialidade. Tudo bem que o lugar comum que encontramos em A Profecia ganha um pouco de originalidade por ser um filme de 1976, ou seja, vindo antes e inspirando outros do gênero, mas a nova roupagem idiotizou mais o estilo e confirmou a decadência de produções assim. Fico apenas eu me perguntando: quantas outros remakes, outras adaptações, outros clichês serão necessários para saturar o bom cinéfilo? Será que somente eu pergunto se aquele estilo de Kubrick em O Iluminado não deveria ser a inspiração para novos filmes de suspense e terror? Ou será mesmo que é isso que o público quer ver: grotesco e repetições? Em meio de tantas dúvidas, A Profecia se perde dentro delas e não me traz respostas, sendo apenas mais uma opção dispensável que veio ocupar as salas de projeção. E como sabemos, atrai o público sim. E como deduzimos, dá dinheiro sim. E como vemos no final do filme e, no final da contagem do dinheiro arrecadado, dá margem a uma continuação. E como torcemos, esperamos que A Profecia fique onde está e não incomode mais. Que seja apenas mais um remake, mais um filme, e que faça Hollywood perceber sua deficiência; e que tal deficiência seja consertada ou o buraco será o único destino das próximas produções do gênero.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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