Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de abril de 2006

Gatão de Meia Idade

Com um orçamento de R$ 2,6 milhões, o roteiro original do filme prontinho desde 2002, bom elenco e premissas interessantes, o filme é com certeza um atrativo. Ou será que não é bem por aí?

O mais interessante da divulgação do filme é de onde ele surgiu. Estamos acostumados a ver de tudo: adaptação de games, de vida real, de HQs, mas de cartoon é realmente a primeira que eu vejo. A produção é um apanhado de tirinhas do cartunista Miguel Paiva (dono do personagem que titula o filme) que foram transformadas em cenas com atores globais. Premissa que gera expectativa, sejamos sinceros. Deixando de lado esse preconceito chato para com os filmes de comédia brasileiros, esse chama atenção, pois temos a mínima certeza que o propósito dele não é muito grande e, geralmente, a partir de propósitos simples assim é onde os bons filmes surgem. Entretanto, o que afunda o filme é o que primeiramente ficou pronto e algo bastante importante. Não, não são os personagens e seus maneirismos, muito menos as tirinhas do Miguel Paiva, é o roteiro. Mesmo tendo ficado pronto em 2002, parece que ninguém teve o carinho necessário com aquelas folhas de papel A4. Mas o filme não é de todo ruim, alguns elementos terminam salvando-o um pouco.

Um desses elementos é o personagem Gatão de Meia Idade. Com seu tipo quarentão, ele é um reflexo de algo que muitos homens já passaram ou vão passar. Estou falando da vontade de curtir a vida (lê-se: mulheres) sem entrar em um relacionamento sólido. Não é uma lição de moral ou de vida para as pessoas que pensam assim, pelo contrário, o filme brinca com esse tema de forma muito despojada, agradando bastante tanto quem está nessa fase, quem já passou e quem vai passar. Aí você pergunta: "Como você pode dizer isso com tanta convicção, Sr. Raphael?" Muito simples. Determinadas piadas são feitas diretamente para quem está nessa fase. Então, o público-alvo vai rir mais do que os demais da sala de projeção. E assim por diante. Nesse aspecto o filme vai bem.

Observando mais a fundo esse aspecto do parágrafo anterior, fica claro que o filme poderia ter sido melhor do que foi. Poderia ter beirado a plenitude. Mas ele não conseguiu e a culpa principal recai no roteiro. Quando víamos as piadas ligadas ao roteiro, a vontade era de se esconder por ter entrado naquela sala. Agora, quando elas se desprendiam da linha mais roteirística, a piada cumpria seu real papel, ou seja, divertir. O divertir do filme está ligado diretamente a simpática atuação de Alexandre Borges (Cláudio, mais conhecido como: Gatão). Parece até que o ator sacou da fragilidade do roteiro e simplesmente se superou. Ele foi realmente muito bem no que tange todos os aspectos esperados de um personagem que, além de ser o protagonista, é cheio de maneirismos; os maneirismos de quem passa por uma fase e só eles sabem pelo que estão passado. Nessa fase tão pessoal até conselhos de amigos saem tão rápido quanto entraram no ouvido. O personagem parece até simples, mas não é bem assim. É chato de fazê-lo e tudo que gira em torno do filme é voltado exclusivamente para ele. Sendo assim, se o personagem foi bom e o pilar principal, o roteiro, foi mal, é visível como o filme poderia ter sido infinitamente melhor.

As outras atuações seguem uma linha bem normal. Uma ou outra avança essa linha ou retrocede. O avançar fica mais por conta de Cristiana Oliveira fazendo a personagem Sandrão. Seu personagem é, de longe, o mais engraçado. Já Júlia Lemmertz, que contracena com Alexandre em filmes pela quinta vez – eles atuaram juntos em: Até que a Vida nos Separe (1999), Um Copo de Cólera (1999), Nélson Gonçalves (2001) e Acquaria (2003) -, recebe a personagem Betty, todavia não se sobressai de forma alguma. Mesmo estando pouco tempo em destaque, vê-se que qualquer outra atriz mais ou menos do seu porte poderia ter assumido esse papel que não influenciaria em nada no contexto geral. A personagem Duda talvez seja a pior de todas. Mais uma vez por conta do roteiro, que a tornou estereotipada de forma boba demais, acaba dando a Renata Nascimento talvez as maiores crítica negativas do elenco. É verdade que a inexperiência da garota também foi relevante para isso, mas, se vista com melhores olhos, seu carisma acaba apagando a má impressão inicial.

Algo que realmente não tem salvação é a trilha sonora. Será que dentro de 2,6 milhões de reais não dava para ter separado um pouquinho mais para o responsável ou para alguns direitos autorais de algumas músicas? Não é que ela seja simples, é porque é ruim mesmo. Repetitiva demais, tinha horas que dava vontade de aguçar a audição para a conversa de quem estava sentado na cadeira ao lado. Tudo bem que R$ 2,6 milhões para um filme é pouco, mas dava para ter economizado em certas coisas e dado um pouco mais de atenção para esse quesito. Dava até para lançar um cd depois. Olha aí! Já era um dinheirinho a mais no caixa.

O que os ouvidos escutam os olhos também acabam vendo. Tão ruim quanto a trilha sonora fora a qualidade da película. Talvez seja uma das primeiras coisas que sejam notadas no filme. Imagem muito, mas muito ruim e, pelo pouco que entendo de imagem, não era culpa do cinema, mas sim do produto mesmo. Outras coisas que também remetem à questão puramente visual foram precárias demais, como: edição, foco de camêra e etc. É visível até para o mais leigo. A edição quebrou o filme. Por conta de um descaso nesse elemento, o filme ficou um tanto quanto sem nexo por alguns momentos. Mais parecia um reflexo original das tirinhas do Miguel Paiva do que um longa metragem – tá, também não é para tanto, mas tava precário mesmo.

Enfim, alguns elementos tornam a projeção assistível. Com certeza se tivessem tido uma maior atenção para com o roteiro e uma parte puramente técnica mais lapidada, o filme passaria de assistível para agradável. É o que parece pelo contexto geral do filme, pois lembrei agora daquele final muito mal retratado. Com certeza a pior parte do filme. Para fechar, usarei as palavras de uma senhora que passou à minha frente enquanto eu ainda estava lendo os créditos finais. Singelamente, ela disse para seu marido: "Lindo, o filme." Será?

Raphael PH Santos
@phsantos

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