Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de abril de 2006

Instinto Selvagem 2

Com um roteiro fraco e apelativo para as batidas reviravoltas de qualquer filme policial, “Instinto Selvagem 2” pode ser considerado um entretenimento passageiro. Nada mais! Além disso, o teor erótico-sensual deste não passa nem perto do que foi visto no primeiro filme, mesmo com Sharon Stone esbanjando sensualidade aos 48 anos de idade.

É mais do que notória a falta de criatividade que a indústria cinematográfica vive atualmente. Já pararam pra contar quantas continuações, refilmagens e adaptações foram feitas nos últimos 10 anos? Dentre essas continuações, muitas foram extremamente desnecessárias (vide “O Filho do Máskara” e “Debi & Lóide 2”) e sem nenhum teor de inteligência que justificasse suas realizações. Infelizmente, a continuação do sucesso “Instinto Selvagem”, de 1992, é apenas mais uma produção que chega para engordar essa já grande lista de continuações. Se houve uma necessidade para sua realização, essa foi a tentativa de ressuscitar a carreira de Sharon Stone (que há alguns anos anda desaparecida da mídia e atuando em fracassos como “Mulher-Gato”), fazendo-a reprisar seu papel de maior sucesso, 14 anos depois. De fato, foi uma novela enorme a realização dessa continuação (que contou com brigas judiciais de Sharon com os produtores, diversas recusas de atores convidados a fazer o par de Sharon e uma série de outros empecilhos), porém deveriam ter lembrado daquele velho ditado: “um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar”. Pelo menos não com a mesma intensidade.

Sharon vive Catherine Tramell, uma escritora de suspenses que se mudou há pouco de São Francisco para Londres. A misteriosa morte de um astro do esporte, em que Tramell esteve envolvida, faz com que o respeitado psiquiatra Michael Glass (David Morrissey) seja designado pela Scotland Yard para fazer uma avaliação psiquiátrica da escritora. Glass logo se sente fisicamente atraído por Tramell e ao mesmo tempo intrigado com ela. Contrariando os conselhos de sua mentora, a dra. Milena Gardosh (Charlotte Rampling), Glass se envolve com Tramell, dando início a um jogo de mentiras e sedução.

O “Instinto Selvagem” original era um thriller com altas doses de erotismo, fator que o tornou memorável – quem não se lembra da famosa cena da cruzada de pernas de Sharon Stone? Então os produtores se aproveitaram exatamente desse teor erótico para fazer o marketing da sua continuação, o que, convenhamos, foi uma tentativa desesperadora, pois fazer emplacar a continuação de um filme de 14 anos atrás, estrelado por uma atriz em decadência, não era das missões mais fáceis. Os trailers, os materiais de divulgação, tudo indicava que seria mais um festival de sexo, porém tudo não passava de alarme falso para atrair os sedentos de plantão. O novo filme de Sharon Stone apresenta apenas 2 cenas de sexo – e bem rápidas por sinal -, dando, desta vez, prioridade à trama, na tentativa de transformá-lo em um digno thriller policial, aprofundando os lados psicológicos (!) dos personagens.

De início, a trama até parece interessante, prendendo bem a atenção do espectador, fazendo-o entrar na onda de mistério que ronda os acontecimentos. Acontece que o roteiro escrito por Leora Barish e Henry Bean não consegue manter a estabilidade e adota todos os quesitos básicos que fazem um filme comum de suspense-policial. Sim, acontecem reviravoltas na trama o tempo todo, mas nada que um único episódio de 40 minutos da telessérie “C.S.I” não faça melhor. Nada chega realmente a surpreender, chegando até a ficar cansativo em certos momentos devido a fraca condução do diretor Michael Caton-Jones (de “O Chacal”), que não demonstra nenhuma eficiência em apresentar alguma qualidade narrativa, e também falha ao tentar sem êxito aplicar um clima noir à produção. Não que o filme seja horrível, mas apenas sem criatividade, pois com certeza irá agradar aos que procuram um suspense que apresenta um nível intermediário de inteligência. Mas há de se convir que “Instinto Selvagem 2” em nenhum momento sai do lugar comum. Tudo que vemos em cena é uma mulher fazendo de idiota todos que estão ao seu redor e usando de seu charme sua principal arma.

A falta de criatividade é demasiadamente perceptível, de forma que a plausibilidade dos fatos se torna tão artificial que acontece uma fuga da lei do bom senso. No primeiro filme, pelo menos se notava uma melhor interação da personagem Catherine Tramell com quem ela se envolvia, ficando mais nítido o seu poder de persuasão. Aqui, o que vemos é uma Catherine Tramell robotizada, que basta provocar a libido de um homem para tê-lo inteiramente sobre seu controle. O roteiro falha inclusive no desenrolar dos fatos, chegando a cair na banalidade e o velho clichê. Confesso que fiz foi rir quando no final um personagem importante (que não me convém dizer quem é) é baleado, e nos momentos antes de morrer, sem sequer ter noção do que ocorria, diz “seja lá o que ela tenha lhe dito, é mentira”, e basta isso para convencer o protagonista e provocar nele revolta. Sim, a impressão que nos dá é que todos os personagens são imbecis.

Não posso negar que Sharon Stone, no auge de seus 48 anos, continua linda e com uma sensualidade ímpar, por mais que muitas vezes as câmeras ajudem a “enxugar” algumas rugas de seu rosto através de takes pouco precisos. Quanto sua atuação, bem, digamos que ela pegou a essência de Catherine Tramell do primeiro filme e a elevou ao extremo, se tornando um arquétipo um tanto irreal e exagerado, cuja frieza é nítida em todas as suas falas (todas mesmo!). Já o mocinho e “vítima de Stone” da vez, David Morissey (de “Fora de Rumo”), nem de longe possui a presença de Michael Douglas, e mesmo que sua interpretação não comprometa, ele não transmite o charme que o personagem exige. David Thewlis (o professor Lupin, de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkabam”) completa o elenco como o policial que persegue Catherine Tramell. Apesar de eu o considerar um bom ator, neste filme ele parece estar totalmente desconfortável em seu papel, de forma que está lá apenas marcando presença para ao final levar seu cachê.

Sharon Stone finalmente voltou aos holofotes, linda como sempre, mas sem brilho e em um filme mediano que certamente irá dividir opiniões. Possui uma trama relativamente interessante e pode até agradar aos que não exigem muita inteligência e se surpreendem com esses filmes policiais que passam aos sábados à noite no “Supercine”. Ainda assim, para quem espera muito mistério e muitas cenas de sexo, a melhor dica ainda é passar numa locadora e alugar o original. Ah, e desmentindo boatos: apesar de Sharon Stone mostrar os seios, não há nesta continuação nenhuma outra cruzada de pernas nem qualquer outra cena marcante como aquela do original.

Thiago Sampaio
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