Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de abril de 2006

Novo Mundo, O

O cinema é basicamente feito de visão e audição, mas "O Novo Mundo" nos aproxima também dos outros sentidos.

Terrence Malick é mais conhecido pelo grande público por causa de sua capacidade de se ausentar das telas por um longo tempo. Ele consegue fazer filmes com um intervalo de tempo ainda maior que Stanley Kubrick, que no fim da carreira chegava a fazer praticamente um filme por década. Nos anos 70, Malick surgiu com duas grandes obras, "Terra de Ninguém" (1973) e "Dias de Paraíso" (1978). Depois disso, ele deu um chá de sumiço, vivendo em completa reclusão. Ele só apareceria novamente vinte anos depois, com o drama de guerra "Além da Linha Vermelha" (1998), mas ainda assim recusando-se a aparecer na imprensa, a dar entrevistas, a posar para fotos. Felizmente, o quarto filme de Malick não demorou a surgir e já há boatos de que ele dirigirá um novo trabalho ainda esse ano. Pois bem. Muita gente fala de Malick apenas como o sujeito recluso e meio maluco, mas pouca gente sabe do que realmente tratam os seus filmes. E é realmente um pouco complicado falar de sua obra, já que suas principais influências vêm de filósofos como Heidegger e Wittgenstein e de pintores modernos como Hopper e Wyeth. O cineasta mais próximo de Malick dizem ser Murnau, mas eu ainda não entendi o porquê. Com esse background tão pouco popular, dá pra perceber porque o cineasta ainda é incompreendido pelo grande público. Mas é possível notar que sua filmografia prima pela apresentação dos sentidos como janela para a alma.

O adjetivo "sensacional" se adequa perfeitamente aos filmes de Terrence Malick, em especial a este "O Novo Mundo" (2005), sua mais recente empreitada nas telas. Digo "sensacional" porque Malick é o cineasta das sensações, dos sentidos, da busca da beleza no mundo físico e sensorial. Seus personagens vivem intensamente cada momento. Assim que começa o filme, John Smith, o personagem de Colin Farrell, está preso dentro do navio que se aproxima da costa do estado da Virgínia, no início da colonização americana. Ele estava preso por indisciplina e iria ser enforcado, mas logo seu superior o perdoa e ele passa a chefiar uma expedição pelo território selvagem em busca de mantimentos e ouro. É quando ele é capturado pelos índios. Novamente ele é salvo pela compaixão, dessa vez pelo amor de uma mulher, uma jovem índia, uma princesa, a preferida das filhas do cacique. Por causa desse amor, mais tarde essa moça trairá a confiança de sua tribo e será renegada. Essa é a famosa história de Pocahontas, mais conhecida por causa do desenho animado da Disney, de 1995.

"O Novo Mundo" é cinema-poesia. Malick se preocupa menos em contar uma história e mais em nos deixar maravilhados com a beleza natural daquele mundo selvagem. Impossível não ficar maravilhado com a fotografia do mexicano Emmanuel Lubezki, de "A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça" e "E Sua Mãe Também". A fim de ampliar o nosso prazer estético, além da beleza visual, a música também contribui para que sejamos levados para aquele mundo, como se estivéssemos respirando o ar da floresta. A música original é de James Horner, mas ouvimos também composições de Mozart e Wagner. Quando a música pára, ficamos com o som da floresta – o barulho das águas, o canto dos pássaros, o som dos animais silvestres.

O cinema é basicamente feito de visão e audição, mas "O Novo Mundo" nos aproxima também dos outros sentidos. Talvez por isso o sentimento de frustração de vez em quando acontece, já que sente-se vontade de se aprofundar nas sensações que o filme provoca, o que nem sempre é possível. (quem sabe, sob efeito de alguma droga relaxante, esse aprofundamento aconteça) Em certa cena, a índia (Q'Orianka Kilcher, que tinha apenas 15 anos durante as filmagens) pergunta ao seu marido (Christian Bale) porque existem as cores. Interessante essa preocupação, já que desde o começo o filme nos dá uma consciência da beleza das cores do mundo, seja pelo céu azul, o verde da vegetação, o colorido das tintas nos corpos dos índios, a roupa dos ingleses, o luxo da corte do Rei James.

Interessante notar também as narrativas reflexivas dos três personagens principais. Essas narrativas entrecortam os diálogos, não esperam que tudo fique mudo, não acontecem no início das cenas. Elas invadem a ação. Essas vozes, ditas em tom calmo e sereno, passam um sentimento de paz que contamina as seqüências de guerra. Aliás, o filme até evita a violência, não mostrando o sangue nas batalhas. Até mesmo a paixão da índia por John Smith é substituída pelo amor mais realista e maternal quando ela entra em contato com o personagem de Bale. Tudo no filme é um convite à paz, à contemplação, à meditação. Como se o modo de vida dos nativos americanos encontrasse o zen-budismo.

Aílton Monteiro
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