Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de agosto de 2005

2 Filhos de Francisco (2005): um filme para calar a boca de muitos

Para a surpresa de muitas pessoas (inclusive eu), “2 Filhos de Francisco” conseguiu se mostrar um ótimo filme, independente de gostar ou não da dupla Zezé di Camargo & Luciano.

Quando soube que estavam produzindo um filme sobre a história da dupla sertaneja Zezé di Camargo & Luciano, logo pensei: “nossa sociedade está cada vez mais sem ter o que fazer”. Eu, assim como muitos, pensava que o filme não passava de um mero lance comercial com o intuito de promover mais ainda a dupla. Nunca fui fã de música sertaneja e fui assistir ao filme com os dois pés atrás. Para minha surpresa, ao final, eu havia me deliciado com uma excelente obra que, conseguiu emocionar não só a mim, mas a grande parte das pessoas que estava no cinema. Claro que após o término não passei a curtir músicas sertanejas e tampouco virei fã da dupla, mas é impossível não passar a ter admiração e respeito pela história de vida deles. E isso não tenho vergonha de dizer: a trajetória de vida da dupla é sim fantástica e digna de aplausos.

“2 Filhos de Francisco” conta a trajetória dos famosos cantores sertanejos a partir do sonho de um pai, Francisco Camargo (Ângelo Antônio). Trabalhador rural e apaixonado por música, ele passava todo o seu tempo livre escutando um rádio de pilha e planejando transformar os filhos em uma dupla caipira de sucesso, como aquelas que tanto gostava. Ele investe no talento de seus filhos, que aos poucos, começam a se destacar, mas diversas dificuldades no caminho da família fazem acreditar que o sonho pode não se tornar realidade.

O filme consegue agradar a todos independente do gosto musical, já que o foco da produção não é a carreira de sucesso da dupla, e sim, o que veio antes dela. Por isso, se você é fã de Zezé di Camargo & Luciano, não vá ao cinema esperando ouvir os grandes sucessos – para se ter uma idéia, o filme termina logo no o estouro do primeiro sucesso deles, a música “É o Amor”. O foco é a trajetória da família Camargo, marcada por desafios, dando uma grande ênfase ao pai, Seu Francisco. O filme consegue ser emocionante sem precisar em nenhum momento, apelar para pieguices ou passar imagens com intuito de promover a carreira da dupla (como se eles precisassem). Além do mais, não possui aquela narrativa com cara de telenovela – característica marcante de 9 em cada 10 filmes brasileiros. É um filme cativante por si só, sem precisar de apelações.

A direção do estreante Breno Silveira é firme, conseguindo manter um clima sempre dinâmico, variando bem a atmosfera de acordo com o desenvolvimento das personalidades dos personagens. Consegue ser triste, emocionante, cômico e divertido, sempre no momento certo. É impossível não se deixar envolver com a história e passar a torcer arduamente pelos personagens. A história que parece conto de fadas sobre pessoas humildes que se dão bem na vida é mais do que batida, mas é impressionante como o enredo é tratado com tamanho carinho e delicadeza aqui.

A primeira metade do filme é sem dúvidas, a mais interessante, principalmente pelas ótimas interpretações dos atores mirins Dablio Moreira e Marcos Henrique, que interpretam Mirosmar (verdadeiro nome de Zezé) e seu irmão Emival, respectivamente. A trajetória dos garotos é a verdadeira imagem de milhões de brasileiros ao redor do país que passam por dificuldades e buscam por um sonho, que parece estar cada vez mais longe de ser atingido. Essas tais dificuldades são mostradas de uma maneira tocante a quem assiste, e sabendo que se trata de uma história real, nos faz admirar cada vez mais a perseverança dessa família guerreira. Qualquer família teria desistido de seguir adiante com o sonho, perante as muitas dificuldades e tragédias que aparecem pelo caminho (prefiro não citar nenhuma para não estragar o impacto e a emoção proporcionados).

Por outro lado, o ritmo do longa cai ao mostrar os personagens crescidos. Os atores Márcio Kieling e Thiago Mendonça estão corretos, mas não possuem a presença e sintonia que os atores mirins tinham. Kieling, apesar da semelhança com o verdadeiro Zezé di Camargo, certos momentos parece que ainda está atuando na novelinha global Malhação – a qual integrou o elenco a alguns anos. Durante essa fase de transição, o filme não perde em qualidade mas sim em ritmo, pelo fato da maior parte das surpresas e emoções já terem ficado para trás, restando apenas o sentimentalismo e as lições de companheirismo. Além disso, os garotos são uma atração à parte, e sem eles, parte da alma da história vai embora. Mas veja bem: apenas uma parte se vai.

Quanto ao elenco veterano, todos estão muito bem, ajudando a manter a constância do enredo. Dira Paes confere peso a Dona Helena, a mãe da família Camargo que luta para cuidar de seus nove filhos. Dira transmite todo o sentimentalismo necessário ao papel, passando de forma convincente a imagem da mãe que se preocupa com seus filhos acima de tudo. Outro que se destaca é José Dumont, na pele do empresário Miranda – personagem que possui uma extrema importância para o rumo que a história viria a seguir. O experiente ator transforma Miranda em um personagem complexo, de forma que sua variação de personalidade causa também a variação da simpatia do público por ele. Paloma Duarte na pele de Zilú, esposa de Zezé, está bem, mas sem destaque. Já Lima Duarte e Jackson Antunes aparecem pouco, mas suas fortes presenças garantem um charme extra à produção.

Mas o grande destaque do filme é Ângelo Antonio na pele do pai da dupla. A interpretação de Ângelo é um show à parte, transformando o Francisco do título em um homem ímpar, ficando difícil encontrar características que o definam – rude, rígido, terno, carinhoso, atencioso; esses são apenas alguns adjetivos que se encaixam bem ao personagem. É cativante ver os esforços por parte do pai para transformar os filhos em uma dupla de sucesso – vendendo tudo que tem para comprar os instrumentos para os filhos, ou gastando todo o seu salário em fichas telefônicas (é o noovo!) para ligar para às rádios e votar na música deles – conseguindo transmitir bem a idéia de que a dupla hoje não seria ninguém sem o eterno apoio do pai.

Por fim, “2 Filhos de Francisco” calou a boca dos muitos (inclusive a minha) que tiraram conclusões precipitadas sobre ele. Ainda sofrerá muito por ser um filme brasileiro, ainda mais se tratando de uma história sobre uma dupla sertaneja. Mas as boas críticas que vem recebendo (sendo inclusive ovacionado no festival de Gramado) são a resposta diretas para esse preconceito. Não gosto das músicas de Zezé di Camargo & Luciano e de nenhuma outra dupla sertaneja, mas o filme não é sobre músicas sertanejas; é uma historia de luta e esperança muito bem abordada e executada. Em resumo, é um ótimo filme que representa os milhões de brasileiros que lutam por sonhos considerados impossíveis. Quem sabe após assistir ao filme, você crie ânimo para levar adiante seus sonhos antigos, afinal, se a história de Zezé di Camargo & Luciano saiu um ótimo filme, quer prova maior de que a esperança é a última que morre?

Thiago Sampaio
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