Um filme ímpar! Definitivamente não é para o público pipocão. Artisticamente fantástico feito com paixão. Um longo filme que possui pequenos detalhes nos quais precisamos reparar. Fascinante.
Muitos sonham em voar. Poucos conseguem. Voar como um beija-flor, que voa para frente, para trás, lados, cima, baixo, estaciona no ar. Mas quando uma mente consegue aventurar-se no tempo e pensar em formas mais avançadas e evoluídas para sua época? Imaginação e força de vontade fazem como que tudo seja possível. Voar é um dom, não é um privilégio. Mesmo com aviões modernos, esta é uma sensação para poucos. Se viajar como passageiro já é difícil, imagine pilotar um avião. O gênio é um ser difícil de se entender. Ele pensa mil vezes à sua frente. Você se perde. Não entende como ele consegue fazer isso. E ao mesmo tempo, ele consegue ter fragilidades tão pequenas, que se você não soubesse do seu potencial, nunca diria que ele é gênio. Em "O Aviador" você tem a dificuldade de saber quem é gênio. Howard Hughes ou Martin Scorsese? Ambos são aventureiros do tempo. Mas só um está vivo para retratar genialmente o que o outro gênio foi capaz de fazer para ter tal título: Scorsese.
Howard Hughes (Leonardo DiCaprio) ficou milionário já aos 18 anos, devido à herança que seu pai, um inventor texano, deixou para ele (herdou uma indústria de peças de maquinário. A empresa alcançou sucesso ao inventar a broca para perfuração). Pouco depois mudou-se para Los Angeles, onde passou a investir na indústria do cinema. Sua carreira em Hollywood teve início no ano de 1926. Entre os filmes que produziu está "Anjos do Inferno" (1930), indicado ao Oscar de Melhor Filme e responsável pelo lançamento da atriz Jean Harlow (Gwen Stefani), "Scarface; A Vergonha de Uma Nação" (1930) e "O Proscrito" (1943).
Paralelamente, Hughes se dedicou a uma de suas maiores paixões: a aviação. E se envolveu com as atrizes Katharine Hepburn (Cate Blanchett) e Ava Gardner (Kate Beckinsale). Fundou a sua própria companhia aérea em 1933. Fazia questão de testar os aviões mais rápidos que inventava. Tanto que bateu diversos recordes de velocidade, como dar a volta ao mundo em um bimotor em 3 dias e 19 horas. Mas quando questionado sobre um empréstimo para construir um avião gigantesco, motivo de sua encrenca com a Justiça, ele responde que sairá dos EUA com bilhete só de ida, caso não consiga fazer sua máquina (Hercules, um hidroavião de madeira com capacidade para 750 passageiros) voar.
O diretor Martin Scorsese é um ser iluminado. Iluminado pelo fato dele buscar sempre a perfeição em seus filmes. Perfeição é difícil alguém conseguir, mas seus filmes estão em um nível tão alto, que chegar a beirar a glória da perfeição. O que falar do espetacular "Taxi Driver" (1976)? Ou "Touro Indomável" (1980)? E "Os Bons Companheiros" (1990), que mostra uma genialidade absurda? "Gangues de Nova York" (2002), que é artisticamente ímpar? Impossível conseguir mensurar o quanto genial é alguém que possui tantas obras magníficas. E a genialidade desses filmes vêm da grande profundidade nos temas abordados. Histórias interessantes sobre a violência urbana, e seus personagens de bastante complexidade e perturbações diversas.
Howard Hughes é perturbado, contraditório. É estranho ver alguém que se arrisca a pilotar uma máquina com funcionamento incerto, a 400 km/h, e, ao mesmo tempo, ter receio/medo de abrir uma porta pegando na maçaneta por causa das bactérias (germofobia). Paranóico. Essa palavrinha resume Hughes. Ou melhor, gênio paranóico. Ao mesmo tempo em que ele imagina modelos de aviões super avançados no tempo, sua paranóia quanto à limpeza o consome. Scorsese faz uma tomada interessante durante o filme: enquanto Hughes dá uns amaços numa mulher, e vai acariciando o seu corpo, a cena muda completamente para a área de construção do novo avião prateado no qual ele passa a mão na lataria, com o mesmo prazer que parece sentir ao estar com a mulher. Paixão. Quando se faz algo com paixão, tudo parece fácil. Howard Hughes era um cara apaixonado por aviação, e fazia por onde conseguir êxitos em seus trabalhos. Por isso ele foi considerado um homem à frente no seu tempo.
Leonardo DiCaprio faz deste o seu melhor personagem. Nunca ele foi tão natural e encarnou tão bem um papel. E olha que cine-biografia não é para qualquer um. Dá para percebermos uma confiança que jamais existiu no ator. Ele conseguiu entrar no personagem com bravura e mostrar de forma mágica uma boa parte da vida turbulenta de Hughes. Mesmo que algumas vezes ele não pareça ter 40 anos (aliás, aquele rosto de quem tem 15 anos não muda nunca), não chega a prejudicar o andamento do filme.
Muita gente vai dizer que a obra é longa e que dá sono. É notável que 170 minutos de filme é muito tempo para o circuito comercial. Mas quem realmente gosta de um filme artisticamente excelente, não vai se preocupar com o tempo, sem falar que ele é pouco para vida fantástica que Hughes teve. Apesar de não mostrar com mais ênfase o seu lado louco, as partes que aparecem, já dão conta do recado. O roteirista John Logan conseguiu captar a essência do visionário. Não preciso nem comentar os efeitos especiais. Nos dias de hoje esses efeitos são tão bem trabalhados que nos confundimos com a realidade (você irá ver uma cena espetacular do avião caindo na cidade).
O filme não se centra somente em DiCaprio e Scorsese, existem muitos coadjuvantes nele (mesmo que em sua boa parte sejam desperdiçados), como a linda Kate Beckinsale, que faz Ava Gardner e talentosa Cate Blanchett, como Katharine Hepburn. Ambas são pares românticos de Hughes. Alguns possuem participações bem pequenas como Jude Law (Errol Flynn), Gwen Stefani (vocalista do No Doubt, como Jean Harlow) e Alec Baldwin (Juan Trippe, dono da companhia aérea Pan Am). Há também o braço direito de Hughes, o dedicado Noah Dietrich, interpretado por John C. Reilly. Enfim, eles são coadjuvantes. DiCaprio carrega o filme nas costas mesmo (não que isso seja um ponto negativo, mas estrelas como essas poderiam ter sido melhores aproveitadas).
O filme realmente merece muitos créditos. Todo prêmio que receber será merecido. Mesmo que você não goste muito, tente entender o quão gênio era Howard Hughes e como Martin Scorsese conseguiu mostrar tão bem a parte vital de sua história. Parabéns a todos que trabalharam no filme porque ele é, artisticamente e historicamente, fantástico.