Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Colateral

Tom Cruise e Jamie Foxx, protagonistas do filme, não deixam espaço para mais ninguém. Uma ótima trama com interpretação de alto nível.

Eu tenho um certo bloqueio em relação a filmes que cansam no início de sua exibição. Sabe aqueles filmes que você começa assistir e de repente bocejos vêm, você esfrega os olhos, presta a atenção em algumas cenas e faz tudo novamente? O início de “Colateral” se encaixa em partes nesses quesitos. Não que seja má vontade, mas falta um ritmo que consiga segurar o cinéfilo na cadeira no começo da exibição. Sorte que quando o filme está prestes a chegar a sua metade, as coisas se invertem e transformam aquela primeira impressão cansativa, em uma espécie de reviravolta, num ótimo filme.

Lembro do cubano Fernando Pérez durante a exibição de seu filme "Suite Habana" no 14º Cine Ceará que ocorreu em junho passado. Antes da exibição de seu filme, em sua apresentação, fez questão de frisar: "Nos primeiros 20 minutos o filme pode parecer chato, cansativo e extremamente aborrecedor. Depois de algum tempo você começará perceber e captar fatores importantes que podem mudar essa sua primeira impressão”. E isso se encaixa como uma "rede no armador" em "Colateral".

Max (Jamie Foxx) vive há 12 anos como um simples motorista de táxi. Muitos rostos surgiram e sumiram no seu espelho retrovisor e ele já esqueceu de muitas pessoas e lugares… até esta noite. Vincent (Tom Cruise ) é um assassino profissional. Quando os membros de um cartel do narcotráfico descobrem que estão prestes a serem condenados por um júri federal, é montada uma operação para identificar e matar as testemunhas chave. E esta noite é o último estágio. Vincent chega em Los Angeles e devem aparecer cinco corpos mortos.

As circunstâncias obrigam Vincent a seqüestrar o táxi de Max, que acaba se tornando uma espécie de “garantia” – no lugar errado e na hora errada ele pode ser sacrificado por um motivo estratégico. Durante toda a noite, Vincent força Max a levá-lo a um determinado endereço e, enquanto a polícia de Los Angeles e o FBI correm para interceptá-los, Max e Vincent acabam dependendo um do outro para sobreviver, de maneiras que nenhum deles poderia imaginar.

Particularmente, acho Jamie Foxx o novo Denzel Washington (50). Hoje ele tem 37 anos, o que não se aplica muito o "novo" que disse anteriormente, mas com poucas atuações ele vem conseguindo atrair minha atenção. Fez o ótimo "Um Domingo Qualquer", de Oliver Stone, ao lado de Al Pacino e teve uma excelente participação em "Ali", no papel de Drew "Bundini" Brown, associado do boxeador Muhammad Ali. Em "Colateral" ele consegue roubar a cena várias e várias vezes, deixando Tom Cruise um pouco de lado em algumas tomadas. É lógico que o papel de vilão não exige tanto como o de refém (leia-se refém protagonista, já que para fazer um vilão é necessário qualidades ímpares). Óbvio que o sentimento de medo bem interpretado consegue chamar mais atenção do que a pessoa que faz o medo ocorrer. Há quem diga que não há química entre Cruise e Foxx em cena, mas se você reparar, eles conseguem ser o oposto do outro. Isso é que faz com que quando ambos estão atuando juntos, os diálogos ganhem uma conotação mais dramática.

Para fazer o papel de Max, Foxx percorreu Los Angeles (LA) em táxis, ouvindo as histórias contadas pelos motoristas. E esse é um dos principais pontos fortes do filme. Mostra a facilidade que o "homem da praça" tem de desenrolar uma conversa amistosa com seus passageiros. É em uma dessas conversas que Max conhece Annie (Jada Pinkett Smith), uma bela promotora que terá papel importante no desenrolar da história.

O que dizer de Tom Cruise? Ele é o cara! Sua atuação está impecável. Começando pelo visual adotado para viver o assassino Vincent. Cabelos grisalhos e uma pinta de matador profissional, juntando com a ótima interpretação de seu parceiro de cena, Jamie Foxx, faz com que o filme ganhe uma credibilidade dramática enorme e que os diálogos ocorram pérolas perfeitas como essa: "Será que todo taxista de Los Angeles dá uma de Freud?", quando Max questiona o porquê dele querer matar tanto essas pessoas (sem ao menos conhecê-las).

O diretor Michael Mann ("O Informante", "Ali" e "O Último dos Moicanos") conseguiu fugir daquele começo monótono e transformar o filme numa obra nervosa, com a tensão elevada e sem tirar o pé do acelerador (leia-se, após a metade do filme). O roteirista Stuart Beattie conseguiu incrementar os diálogos com as ótimas atuações dos dois protagonistas do filme (Cruise e Foxx), o que deu mais credibilidade ao roteiro.

Existem pontos fracos e conturbados, de fato, mas não chega a prejudicar o andar da carruagem. Ocorrem muitos tiroteios, brigas e batidas de carro, porém, os personagens principais parecem sair ilesos. É algo muito parecido com Rambo: só ele consegue acertar os inimigos. Além de mostrar o metrô funcionando de madrugada, o que pouco acontece em Los Angeles. Em tempo, Vincent faz uma crítica em relação ao descaso com o sistema de metrô de LA: "Um cara entra no metrô em LA, morre e passa desapercebido”. Essa frase é repetida duas vezes no filme, em seus extremos.

Apesar de alguns atores considerados bons como o irreconhecível Mark Ruffalo ficarem um pouco de lado, a ação e o drama focado nos dois protagonistas fazem desse uma interessante pedida, já que, ultimamente, não temos muitas outras escolhas interessantes nos cinemas. Este fator valoriza mais ainda a sua ida ao cinema e mostra que filmes bons para adultos ainda são produzidos.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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