Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Horas, As

Três mulheres e épocas diferentes unidas por um livro e pelos sentimentos e amores que as afligem. Esse é o mote principal de "As horas", que se revela pouco a pouco uma história genial sobre as pequenas coisas da vida que podem se transformar num peso insuportável de carregar.

Virgínia Woolf (a escritora), no começo do século XX, tenta escrever um livro enquanto vive um momento de trégua entre suas crises de depressão. A medida em que vai tendo idéias para “Mrs. Dalloway”, vai surgindo no livro uma história sobre uma mulher que precisa dar uma festa e tenta a todo custo parecer bem para os outros, quando na verdade está desmoronando por dentro.

Laura Brown, uma dona de casa dos anos 50, está lendo “Mrs Dalloway” e vive em constante angústia dentro de uma vida que parece perfeita. Tem uma casa, um marido e um filho, mas não se sente feliz, embora ache que deveria.

Clarissa Vaughan é uma lésbica dos dias atuais que mora com sua companheira e tem uma amizade doentia com o poeta aidético Richard. Clarissa tenta preparar uma festa de homenagem para Richard, mas se sente exatamente como a protagonista do livro de Virgínia: desmoronando por dentro.

O jogo fantástico de intercalação das épocas e da relação das três mulheres com o livro (uma o escreve, outra o lê e a outra o vive) vai criando aos poucos um grande e profundo filme sobre os sentimentos que nos cercam a todos instante, mas muitas vezes são imperceptíveis aos outros. A forte relação das três mulheres com os homens em suas vidas também são pontos em comum entre as histórias. Virgínia tem no seu marido Leonard um apoio incondicional, Laura finge que é feliz para o seu marido Dan, enquanto ele finge acreditar que a vida dos dois é realmente perfeita, e Clarissa ama seu amigo Richard (e amante do passado) mais que tudo e depende dele assim como ele dela.

Baseado no livro “The hours” de Michael Cunningham (reza a lenda que o título de “Mrs Dalloway” seria a princípio “As Horas”), o filme conta com uma escolha extraordinária de elenco. Nicole Kidman – que tem se revelado, cada vez mais, uma atriz de peso – como Virgínia, Julianne Moore como Laura e Meryl Streep (a sempre excelente Meryl!!) como Clarissa, seguram o filme o tempo todo com suas interpretações e até mesmo os coadjuvantes não ficam atrás (J C. Reilly, Ed Harris, Toni Collette e Allisson Janney).

O diretor Stephen Daldry (do também elogiadíssimo Billy Elliott) pode ser considerado depois desse filme – nas palavras da própria Meryl Streep – um grande mestre da arte de transformar sentimentos e pensamentos em imagens. Não há como ver As horas e não sentir a angústia crescente na história das três mulheres.

A trilha sonora é outro aspecto espetacular. Sempre incidental, ela se faz presente durante praticamente o filme todo, traduzindo também em sons os sentimentos mostrados nas imagens.

A comprovação do sucesso de As Horas pode ser demonstrada também por suas premiações. Foi indicado ao Oscar® em 9 categorias (embora essa premiação nas seja muito confiável há tempos), 7 ao Globo de Ouro e 11 ao prêmio BAFTA.

Enfim, As horas está longe de ser filme leve e é fruto de um daqueles momentos geniais do cinema norte-americano (momentos esses cada vez mais raros). Vale a pena assistir e colocar na lista dos melhores dramas dos últimos anos.

Amanda Pontes
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