Peter Jackson conseguiu recriar um clássico, realizou o seu sonho de criança e ainda é responsável por fazer outros profissionais da computação gráfica mudarem de ramo diante a soberba do filme. Apesar de tudo isso, ele ainda não conseguiu perder velhas manias, como a de fazer um filme enorme.
Quando Peter Jackson decidiu fazer uma refilmagem de King Kong, todos ficaram com um olho no peixe e o outro no gato. Ele tinha acabado de vir de uma trilogia que havia faturado bilhões de dólares pelo mundo todo, seja em bilheteria, seja em venda de DVDs. Era fácil encontrar o comentário: “Será que ele vai viver de O Senhor dos Anéis? Ou existe algo, além disso?“. É, existe. Ele não só conseguiu recriar um clássico, mas transformar a história do gorila mais famoso do cinema numa quase obra-de-arte. Sem exageros, o filme é ímpar. Mesmo assim, possui alguns defeitos que não lhe deixaram chegar à perfeição. O excesso de efeitos especiais foge um pouco do foco principal do filme. Mas estamos falando de Peter Jackson, um cara que adora computação gráfica e faz questão de mostrar para todo mundo que o que ele deseja ter na tela. Isso, ele consegue, e com perfeição.
Estamos em 1933 e a atriz de teatro de Vaudeville, Ann Darrow (Naomi Watts), se vê sem meios de se sustentar, como tantos outros nova-iorquinos durante a Grande Depressão. Enquanto considera, relutantemente, em se afundar numa carreira no teatro burlesco, também conhecido como cabaré, ela vaga pelas ruas de Manhattan sem objetivo, até ser acometida pela fome, que a faz roubar uma maçã. Salva pelo cineasta Carl Denham (Jack Black), Ann Darrow é convidada para ser a atriz principal de sua próxima produção. Indecisa, acaba aceitando, quando descobre que o roteirista é o respeitado dramaturgo Jack Driscoll (Adrien Brody).
Na verdade, o diretor Carl Denham teve o patrocínio cancelado para seu filme inacabado e foi deixado na mão pela atriz principal. Mas ele tem até o fim do dia para embarcar a equipe e o elenco no cargueiro fretado S.S. Venture rumo a um destino que ninguém a bordo pode imaginar: a Ilha da Caveira, que abriga uma raça perdida e uma miríade de criaturas formidáveis e não-extintas.
O principal problema do filme não tem nada haver com sua parte técnica, e sim com o tamanho de sua introdução. É lógico que toda história tem um começo, mas não é todo dia que assistimos a filmes de três horas de duração, com um conteúdo limitado. Nota-se que Peter Jackson teve que esticar o filme e enrolar, para que ele ganhasse mais magnitude do que ele já possui. Se a introdução ou o prelúdio, como dizem, fosse menor, o filme talvez não ficasse cansativo no começo. Uma qualidade de King Kong é que quando você menos espera, em meio à enrolada de lingüiça, começa o que estávamos esperando: ação. Depois que dá início a esta ação, o clímax do filme parece interminável. Ele realmente só acaba quando sobem os créditos finais.
Para quem não compreendeu o termo “conteúdo limitado” dito anteriormente, quis me referir ao enredo. Um filme como O Senhor dos Anéis, com três horas de duração, é pouco para muita história. Já King Kong, é muito tempo para pouca história. Mas como a opção de Peter Jackson, diretor do filme, era deixar o filme deste tamanho para poder inventar alguns elementos a mais e deixar-lo com cara de blockbuster, humilhando tudo o que já foi feito com relação a computação gráfica, dá para compreender. A equipe de Peter Jackson conseguiu criar algo ESPETACULAR com relação aos dinossauros. Sim, existem dinossauros em King Kong e de várias espécies.
Os cineastas Merian C. Cooper e o co-diretor Ernest B. Schoedsack, que criaram a indelével imagem do gorila gigante no alto do Empire State Building protegendo sua amiga humana de um ataque de biplanos, podem descansar felizes. Peter Jackson conseguiu criar um gorila espetacular. A perfeição deste animal é absurda, inigualável. Esqueça tudo que você viu de retratação animal por computação gráfica. Sem dúvida nenhuma, este filme é uma das maiores aventuras cinematográficas de todos os tempos. Para o menino neo-zelandês, assistir ao filme em branco e preto numa noite de sexta-feira não foi só uma distração, mas um evento que mudaria a sua vida, como conta Peter Jackson: “Vi King Kong quando tinha uns nove anos e o filme causou tal impacto que foi ali que decidi que queria ser diretor. Pensei: ‘Quero ser capaz de fazer filmes iguais ao King Kong’”. Ele conseguiu, e foi além.
A equipe de computação gráfica de Peter Jackson (Weta Digital Ltd. e Weta Workshop Ltd) conseguiu criar um gorila fora do comum. É repetitivo ficar dizendo isso, mas é a pura realidade. O seu realismo é impressionante. Os movimentos do corpo e da face, os gestos, os ruídos, etc. Para fazer King Kong com esta qualidade, o mesmo ator que emprestou ao Gollum um caráter tão emocionante e até mesmo cativante em O Senhor dos Anéis, Andy Serkis (que também faz o cozinheiro Lumpy no filme), mais uma vez foi brilhante. Seus movimentos estão exemplares. Os artistas da Weta Digital construíram Kong com toda a musculatura e esqueleto de um gorila e desenvolveram um software que traduz as expressões humanas para as expressões símias correspondentes. Assim, os marcadores mo-cap no rosto de Serkis podiam comunicar a maioria das emoções que o Kong sentiria.
As atuações do atores reais também são fundamentais para fazer o filme funcionar. Jack Black interpretando Carl Denham, um diretor pé no saco, de quem você aprende a ter raiva durante a exibição, finalmente demonstra um papel sério e descente do ator. É lógico que ele não chega a ser um Jim Carrey (bom como comediante, dramático ou vilão), mas atuou bem para alguém do seu nível. Ele é o exemplo vivo da geração MTV. O que não quer dizer muita coisa. Naomi Watts, que faz a atriz de teatro Ann Darrow, é um colírio para os olhos. E falando em olhos, na cena em que o Carl a convida para fazer um filme e diz um pedaço do seu roteiro, seus olhos brilham da mesma forma de uma criança quando recebe um presente de Natal. As cenas dela com o macaco são sempre bem feitas; excelente atriz. Adrien Brody faz Jack Driscoll, um roteirista de peças de teatro e de cinema. Impressionante o quanto ele é feio. Meu Deus. Dá nem pra disfarçar. Aquele nariz dele me fez passar mal.
Para fazer o comandante do Venture, que ganha a vida pilotando seu barco pelo mundo afora, capturando animais exóticos para vendê-los aos zoológicos e outros mercados escusos, os cineastas escolheram o talentoso ator alemão Thomas Kretschmann. Preston, o assistente e quase-consciência de Carl Denham, é interpretado por Colin Hanks. O jovem tripulante Jimmy é interpretado por Jamie Bell, um garoto de rua que vê sua chance de aventura a bordo do Venture. O personagem de Evan Parke, Hayes, é um veterano da 369a Divisão da 24a Infantaria no Exército — uma das primeiras unidades de negros a servirem na Primeira Guerra Mundial. O arrogante e impetuoso ator de “filmes B” Bruce Baxter — personagem criado em homenagem ao ator Cruce Cabot, que fez Jack Driscoll no King Kong original — é interpretado por Kyle Chandler.
Apontar problemas do filme não é difícil. O mais fácil de dizer é com relação a duração. Três horas e uns quebradinhos cansam. Chega uma hora que você tem a impressão que passou o dia no cinema. Você sai exausto. É lógico que é um entretenimento de qualidade, mas ele cansa em certos momentos. Diferentemente de O Senhor dos Anéis, que conseguiu manter a mesma batida em todas as partes do filme. Outro ponto que podemos destacar é com relação às cenas da fuga dos dinossauros. É fácil perceber o fundo falso na mistura de dinossauros com as pessoas. Coisa que não acontece na luta contra os T-rex. Uma cena absurda é a que Jack Driscoll vai resgatar Ann Darrow e aparece uma corda gigante, do nada. Mais absurdo, principalmente, é o desfecho desta cena (não vou contar, mas você vai pensar que está assistindo algum filme da série Missão Impossível, pelo nível da mentira). Um ponto quase inexplicável é com relação à ida de King Kong para a cidade. Como eles conseguiram levar esse bicho que é grande e só fez desmaiar na ilha? Quando menos esperamos, o filme dá um pulo da ilha para cidade em dez segundos. São pequenos detalhes que você acaba fazendo uma caretinha, mas que não chega a atrapalhar “tanto”.
Para encerrar, palavras de Peter Jackson: “Espero que o público tenha uma experiência de emoção e de entretenimento ao ver o nosso filme. Creio que a responsabilidade principal do cineasta é o entretenimento, mas se pudermos comover o público e fazê-lo pensar e sentir enquanto assistem a um filme, é melhor ainda. Espero que todos se envolvam com os personagens e com o Kong, apesar de tentarmos mantê-lo como um nobre bruto e assustador gorila. Mas espero tê-lo apresentado de uma forma que vocês possam sentir a tragédia de sua história, porque é essa a base do filme”.
E ele conseguiu. Mas os excessos e a falta de explicação prejudicam um pouco o filme. Às vezes, maneirar um pouco nos efeitos especiais faz bem e não deixa os concorrentes tão desiludidos com a vida. Eu, se fosse desenvolvedor de animações computadorizadas, após ver esse filme, mudaria de ramo.
Uma lembrança linda do filme: a cena do balé no gelo. Espetacular.