A Primeira Noite de um Homem se tornou um clássico por conseguir combinar perfeitamente o romantismo com a arte de fazer cinema.
Se você acha que só porque no gênero do filme está escrito comédia romântica ele é idiota ou bobinho, como a grande maioria dos representantes atuais são, pode esquecer. A Primeira Noite de um Homem acerta nos pontos exatos onde todos esses filmes erram e cria um comédia romântica de situações realmente engraçadas, sem destruir o romantismo ou transformá-lo em algo banal de adolescente. Conta ainda com um poderio invejável de linguagem cinematográfica, coisa que os filmes desse gênero costumam ignorar, utilizando do modo de fazer cinema para contar a história, não deixando que ele seja apenas um meio passivo de tudo o que está sendo narrado.
Benjamin (Dustin Hoffman, com 30 anos fazendo o papel de 21) é um adolescente de classe alta recém saído da faculdade. Como Benjamin é um rapaz introvertido e indeciso, acaba por sofrer com o turbilhão de pressão em sua cabeça sobre seu futuro. Durante a festa de boas vindas pela sua volta da faculdade – o último lugar onde Benjamin queria estar naquele momento – Mrs. Robinson, mulher do sócio de seu pai, pede para que ele a leve para casa. Benjamin não pensa duas vezes e sai daquele lugar com ela, onde todos pareciam lhe importunar com a mesma pergunta. Ao chegar na casa de Mrs. Robinson, ela pede para Benjamin entrar, oferece drink, pede ajuda para se despir, o que leva o jovem a desconfiar que a senhora esteja flertando com ele. Virgem, jovem, perdido, acaba cedendo ao charme de Mrs. Robinson, descobrindo assim os prazeres da vida.
A partir deste ponto até a metade do filme, todo tipo de situação é trabalhada em cima da falta de experiência do rapaz: o primeiro encontro com Mrs. Robinson, sua primeira vez, o modo como passou a levar a vida, até o ponto em que seus pais, preocupados com seu futuro, resolvem dar um basta a essa vida de vagabundagem e o obrigam a sair com Elayna, a filha de Mrs. Robinson, recém chegada da faculdade. Desse ponto até o final do filme, a história muda totalmente de foco, deixando o romance entre Benjamin e Mrs. Robinson de lado para mostrar como ele se apaixonou por Elayna.
Do mesmo modo que o roteiro explorou muito bem o relacionamento entre Benjamin e Mrs. Robinson, entre ele e Elayne não é diferente. Acreditem quando digo que não falei nada demais sobre a história, pois tudo o que comentei é absolutamente previsível e não é nessa sinopse que está a graça do filme, e sim nas situações inusitadas, nas reações de Benjamin a elas e nas conseqüências que elas trazem. A diversão está garantida sabendo apenas o básico.
Mike Nichols é o responsável pelo filme, tendo inclusive faturado o Oscar por sua primorosa direção. Não se limitando a apenas contar uma história, Nichols cria um filme poético, como a cena em que Benjamin pula na piscina com a roupa de mergulho, mostrando sua passividade e isolamento ao mundo que o rodeia. Nichols cria também um filme divertido e marcante, como na cena em que dá vida ao cartaz do filme: Mrs. Robinson colocando sua meia calça e Benjamin, ao fundo, observando com cara de bobo.
Constantemente há um bom uso do zoom, quando temos uma multidão e a câmera fecha justamente em Benjamin, ou vice-versa, ambientando bem o lugar onde o personagem está, sem precisar de cortes em excesso. O foco também é utilizado como instrumento. Um exemplo disso é a cena em que Elaine descobre o caso de Benjamin. Ao contar a ela o ocorrido, a câmera corta para Elaine desfocada e, conforme o foco vai sendo ajustado, funciona como uma metáfora para a cabeça de Elaine, já que ela vai aos poucos entendendo o que aconteceu.
Com certeza você já escutou por aí a versão original ou a regravação do Lemonheads, a música “Mrs. Robinson” de Simon & Grafunkel, que comandaram a trilha sonora do filme, escrevendo alguns outros clássicos como "Sound of Silence", que marca a abertura do filme (a também famosa cena onde Benjamin vai andando sobre a esteira rolante do aeroporto, homenageada depois por Tarantino em Jackie Brown). Além de apenas reforçar os sentimentos que o diretor quer alcançar, ainda há diversas brincadeiras com a música, como por exemplo quando a gasolina de Benjamin acaba em uma determinada cena e a música vai acompanhando o ritmo do carro, parando aos poucos, em sincronia.
Para a direção e a trilha sonora funcionarem ainda melhor, devo mencionar a importância da edição em A Primeira Noite de um Homem. Se não fosse ela, que dá um dinamismo incrível a medida que as coisas vão acontecendo, com certeza ele poderia ser muito mais entediante e perder a força de sua premissa. Um exemplo de como a edição é importante pode ser dada no momento em que o filme demonstra os vários encontros entre Benjamin e Mrs. Robinson e como ele não fazia nada da vida além de curtir este momento pós-faculdade.
Temos junção de ações de maneira que não fica nem um pouco confuso em nossa cabeça o que está se passando. Benjamin está na piscina e se levanta. Vemos ele entrando por uma porta, então há um corte. Estamos do lado de dentro agora e Benjamin está de cabelo seco, e logo depois ele pula na cama de Mrs. Robinson. Quando ele pula há outro corte e ele está de volta à piscina. Lógico que ela não estava dentro da casa de Benjamin, e sim esse corte, ligado pela continuidade, dá a idéia de que a vida de Benjamin está passando e ele está se encontrando várias vezes com a mulher do sócio de seu pai. É uma montagem realmente genial.
A Primeira Noite de um Homem é ainda um filme bastante premiado. Além do Oscar de direção já mencionado, foi indicado ainda a outras seis categorias: melhor filme, melhor ator para Dustin Hoffman, melhor atriz para Anne Bancroft, melhor atriz coadjuvante para Katharine Ross, melhor fotografia e melhor roteiro adaptado. Uma pena que não tenha levado mais estatuetas. Mas ao contrário do Oscar, no Globo de Ouro o filme saiu como um dos grandes vencedores da noite, faturando nada mais nada menos do que cinco prêmios: melhor filme em comédia/musical, melhor diretor, melhor atriz em comédia/musical para Anne Bancroft, melhor revelação masculina para Dustin Hoffman e melhor revelação feminina para Katharine Ross.
Dustin Hoffman (Rain Man, Perdidos na Noite) quase ficou de fora do projeto. Só esteve nele graças à desistência de Robert Redford do papel principal, já que este achava que não conseguiria dar o ar de ingenuidade que o personagem necessitava, e por Charles Grodin não ter acertado um ponto financeiro com a produção. Sinceramente, quando uma escolha dá certo, fica impossível imaginar outra dupla de atores no lugar dos originais, e isso aconteceu aqui. Contando com uma química perfeita com Hoffman, temos Anne Bancroft como a sedutora Mrs. Robinson (do recente Doce Trapaça e dos clássicos Nunca Te Vi, Sempre Te Amei e O Homem-Elefante). O engraçado é que, apesar da diferença de idade parecer cavalar no filme, na verdade ela era de apenas seis anos! Completando o triângulo amoroso, temos Katharine Ross (de Butch Cassidy) como Elaine, a filha que entra de gaiato na história, mas acaba se envolvendo até o pescoço por se apaixonar por Hoffman.
Achei que ia falar pouco, mas ao som de Sound of Silence acabei me estendendo demais ao escrever sobre esta obra-prima. A Primeira Noite de um Homem se tornou um clássico por conseguir combinar perfeitamente o romantismo com a arte de fazer cinema.