Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de abril de 2006

Sol de Cada Manhã, O

Uma trama que mistura drama com pitadas de humor, O Sol de Cada Manhã traz mais uma admirável performance de Nicolas Cage, que se completa com Michael Cane e Hope Davis.

Nos primeiros momentos do filme, somos apresentados ao estranho Dave Spritz (Nicolas Cage), um personagem carismático que viverá aventuras profissionais e pessoais durante o resto da história. Recém separado, Spritz trabalha como homem do tempo para uma televisão local e tem uma vida pseudo-jornalística razoável, apesar de não ser tão atencioso com seu público e por ser alvo de gozação de pessoas que o reconhece nas ruas. Mesmo assim, ele recebe o convite para uma seleção de novos apresentadores “climáticos” para uma rede televisiva de Nova York que implicará no seu crescimento profissional, mas que pode abalar mais ainda sua relação familiar.

Spritz é o tipo de cidadão que nada na vida dá certo. Sempre tentando orgulhar o pai (que descobre uma doença que o manterá vivo por pouco tempo), ou ficar mais próximo dos dois filhos (uma menina de 12 anos e um garoto de 15), ou tentar se reconciliar com a ex-esposa, e nada do que planeja dá certo. Parece que ele tem a “sorte” de sempre pisar na bola e, devido isso, se cobra mais e mais, se achando um infeliz. Na verdade, ele não é a pior das pessoas. Spritz é um bom filho, um pai ausente, mas que tenta sempre compensar essa ausência com os filhos levando-os para passear ou fazendo simples programas como ir a uma lanchonete. Se ele tem algo a ser acusado é com sua ex-esposa, com quem vacilou por muitas vezes e parece ser tarde demais para consertar os erros e tentar recomeçar o casamento.

O roteiro é simples. No começo o gestual é até mais importante que o diálogo, mas com o tempo este último vai tendo mais espaço na trama. Simplicidade nem sempre é tão conveniente, já que alguns diálogos parecem curtos demais, desagradáveis e, principalmente, dispensáveis até o meio da história. Quando se espera que algo se concretize através das palavras, vemos que é apenas mais uma cena. Do meio para o fim, no fake clímax do filme, o roteiro vai se achando, melhorando o direcionamento e a fala dos personagens vai ganhando mais destaque e precisão. O enredo ataca na idéia é pôr um pouco de comédia em dramas. Tudo bem que em alguns até se encaixam, mas o uso nem sempre é bem empregado e não funciona. Em O Sol de Cada Manhã, prefiro interpretar isso como proposital para que traga mais uma carga negativa à história, aumentando sua dramaticidade. Os melhores momentos dos personagens e do enredo é quando as brincadeirinhas são deixadas de lado e os seus problemas pessoais vão sendo trabalhados.

Outro ponto que vai melhorando do meio para o fim é a direção. No começo ela parece meio tímida, sem grandes abusos da câmera ou sem explorar o ambiente em que os personagens estão, mas com o tempo podemos perceber melhores investimentos no enquadramento e na fotografia, contribuindo para cenas belas e decisivas. A sutileza da direção de Gore Verbinski o diferencia das últimas produções que participou. Nem parece que ele é o mesmo diretor de O Chamado e dos dois Piratas do Caribe. Cada filme tem uma direção especial e peculiar, se encaixando bem nos diferentes estilos de cada um.

O que falar da mistura de Nicolas Cage e Michael Cane? Duas performances sensacionais e harmoniosas. Cada um com seus problemas e com seus instintos, dão credibilidade aos seus personagens. Por um momento pensamos que Cage é mesmo filho de Cane e que todos aqueles momentos juntos aconteceram na realidade. Mesmo com o fato de ser personagens tão diferentes, não atrapalhou na harmonia entre os dois que conduzem momentos importantes no desenrolar da trama. Hope Davis foi pouco explorada, cedendo espaço para o desenvolvimento cinematográfico das crianças Gemmenne de la Peña e Nicholas Hoult, revelando-se bastante responsáveis em cena.

Cada personagem é bem analisado psicologicamente, dando também margem para o público conhece-los mesmo sem se aprofundar no passado de cada um. É assim desde o início: temos que imaginar o que aconteceu antes para acompanhar alguns detalhes que, futuramente, confirmarão se o que imaginamos está certo. Até aí tudo bem. Acontecimentos entre esses personagens vão fluindo e fluindo, mas nenhum se solidifica a não ser para o próprio Dave Spritz. O the end aparece e muitas coisas poderiam ter acontecido antes dos caracteres finais; muita coisa no lugar de outras que foram, de certa forma, descartáveis à trama. Apesar disso, a reflexão final que o filme promove pode até causar um desconforto íntimo, mas é proposital para que possamos refletir sobre o que realmente estamos fazendo da nossa vida.

Enfim, O Sol de Cada Manhã é uma boa opção para ver em um dia nublado, com poucas nuvens no céu, comendo brigadeiro e se deprimindo por cada fracasso do estranho, porém cativante David Spritz, por cada cena dramática que vai te afundando mais e mais da cadeira. E para os fãs do Nicolas Cage é fundamental conferir mais esta bela atuação.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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