Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de maio de 2005

Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977): obra-prima do cinema

Ao fim de Star Wars, fica-se a impressão de uma tremenda obra-prima do Cinema. Milhões de fãs ao redor do mundo, muitos e muitos dólares para o bolso de Lucas e a consagração na Academia, conquistando vários Oscar das dez indicações que recebera. Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante...

“É um período de Guerra Civil. Partindo de uma base secreta, naves rebeldes atacam e conquistam sua primeira vitória contra o perverso Império Galático. Durante a batalha, espiões rebeldes conseguem roubar os planos secretos da arma decisiva do Império, a ESTRELA DA MORTE, uma estação espacial blindada com poder suficiente para destruir um planeta inteiro. Perseguida pelos sinistros agentes do Império, a princesa Léia apressa-se em voltar para casa a bordo de sua nave estrelar, protegendo os planos roubados que podem salvar seu povo e restaurar a liberdade na galáxia….”

Assim nasceu um dos maiores clássicos da história do Cinema. Apesar de estar criando um mundo totalmente novo, George Lucas não precisou mais do que essa simples sinopse para lançar uma das mais completas obras fantásticas da história. Mesmo nos primeiros minutos de Star Wars, temos a total sensação de já sermos profundamente conhecedores de tudo que completa esse fascinante ambiente. Vemos homens voando em naves de tecnologias super avançadas de planetas em planetas, alienígenas dos mais diferentes tipos sentados juntos em um bar tomando suas bebidas, os mais diferentes tipos de comerciantes e ladrões pelas cidades e locais mais desertos… O mais curioso é que, mesmo sendo a primeira vez que assistimos ao filme, isso nunca soa ridículo, artificial ou estranho. Parece que já estamos ambientados àquele novo cenário desde que nascemos.

Irônico pensar que, nessa produção consagrada com o tempo, com milhares de fãs ao redor do planeta, uma franquia que tornou George Lucas um dos homens mais ricos e poderosos de Hollywood, enfrentou sérias dificuldades para sair do papel. Parecia que nem os próprios atores acreditavam que aquela fantasia toda poderia funcionar de verdade nas telas. Que todos aqueles efeitos especiais não eram um sonho insano de um diretor mais louco ainda que conseguiu uma verba para realizar seu filme. Star Wars simplesmente desabrochou, passou por cima de todas as dificuldades de produção e se tornou um fenômeno. Uma obra completa, cheia de vida, significado e uma diversão pipoca da melhor qualidade igualada por poucos filmes de gêneros fantásticos com o passar dos anos. Tudo isso graças ao esforço e a confiança extrema que Lucas teve em si próprio.

Essa familiaridade com a história se deve por uma opção acertada de Lucas. Já somos jogados diretamente dentro da trama, ao invés de perder preciosos minutos com qualquer tipo de apresentação, seja do ambiente ou dos personagens. Lucas não subestima seu público e joga, de cara, a história já em pleno desenvolvimento, apostando na identificação imediata do público com tudo aquilo que está sendo mostrado. Sabemos quem é a mocinha em perigo, quem é o vilão, que os andróides são super inteligentes e de presença comum para os humanos… Lucas não perde seu tempo com nada.

Porém, o que deixa o público preparado para tudo é o primeiro plano do filme. Os letreiros já são surpreendentes, e logo depois passa aquele cruzador imenso, em uma época onde nada poderia ser feito pelo computador, realmente algo marcante e inesquecível. Uma inovação sem igual, que sem dúvida alguma causava deslumbramento imediato no público e, conseqüentemente, já entrava no clima para tudo o que viria a seguir. Era o perfeito cartão de embarque no mundo de Star Wars: a grandiosidade de um cruzador imperial. As pessoas vão o vendo passar, passar, passar… Quando ele finalmente passa, todo mundo já está boquiaberto e impressionado esperando o próximo efeito impactante.

Os personagens bem definidos são pontos chave para que a história funcione também. Eles não tem apenas seu papel dentro da narrativa, como também dão sentimento e deixam tudo mais orgânico, verossímil. Tudo está muito bem definido: o mocinho aparentemente simples mas que se torna peça fundamental, onde o mundo todo gira ao seu redor (Luke Skywalker, o novato Mark Hamill); o contraponto do idealismo e ingenuidade do mocinho, com um personagem galante, malandro, atrapalhado e boa pinta (Han Solo, o galã Harrison Ford); a princesa que traz o charme e a beleza feminina para a história (Léia, Carrie Fischer); o companheiro estranho do personagem trapalhão (Chewbacca); os dois robôs cômicos, totalmente diferentes, que trazem o balanceamento e o bom humor para a história (C-3PO e R2-D2, quase um Gordo e o Magro); um mentor para guiar o jovem e ansioso rapaz (Obi Wan, num papel magistral do consagrado Alec Guiness); os tios que servem como chamada para a aventura; e, claro, como não poderia faltar, um vilão forte, marcante e com presença de características únicas (Darth Vader).

O roteiro define tudo infinitamente bem. Se ele fosse um monte de território, seria inteiramente possível marcar com precisão suas fronteiras. Aqui, no caso, as terras seriam pedaços da história e as fronteiras os momentos em que elas dão um passo a frente. A luta do bem contra o mal está clara, não há conflito (ainda) nos personagens e o roteiro praticamente cria uma nova religião ao dar uma importância única à Força. Seria como a fé, quem acredita, “dá um passo a um mundo maior”, como diria Obi Wan Kenobi. Isso deu uma importância única ao mundo novo que Luke vai descobrindo em sua luta contra o vilão que assassinou o seu pai e seus tios. A célebre frase “que a Força esteja com você” virou febre e doença mundial, um ícone de uma nova geração de cinéfilos.
Não é preciso ter cérebro para encaixar tudo o que Lucas criou para a história, mas Lucas teve cérebro o suficiente para encaixar tudo da maneira que nos parecesse mais natural e simples possível. O sentimento dos personagens é tão convincente que não nos preocupamos em perguntar como isso ou aquilo é possível, não ficamos procurando entender como o mundo pode funcionar, nada sobre isso. O filme tem o mérito de nos fazer prestar atenção aos personagens, e muito mais que isso, nos preocuparmos com o rumo que eles tomam dentro da trama. Lucas foi muito feliz mesmo ao ter a idéia de nos desprender do meio físico em que Star Wars se ambienta, sem nos fazer esquecer dos personagens e seus propósitos. Sabemos porquê Luke quer ir atrás do Império, sabemos porquê Han Solo está na luta, sabemos porquê a Princesa Léia se importa tanto com os rebeldes. E isso vale muito mais do que qualquer detalhamento extra que poderia se tornar um excesso de informação (algo que vem acontecendo com os novos episódios).

A ambientação é mais um quesito fortíssimo para o sucesso de Star Wars. O futuro e a tecnologia já havia sido visto de várias e várias maneiras no cinema, mas nada se compara à Star Wars. Lucas nos apresenta um mundo sujo, usado, que foge um pouco dos padrões brilhantes que alguns filmes haviam criado (como por exemplo a obra-prima 2001: Uma Odisséia no Espaço). Esse padrão de criação foi tão inovador e impactante que vários cineastas seguiram essa linha de construção em suas futuras obras de ficção científica – como por exemplo Ridley Scott, fã confesso de Star Wars, usara em seus próximos filmes: Alien (1979) e Blade Runner (1982).

As batalhas no espaço, claro, não utilizam nenhuma técnica diferente do que vimos em 2001: Uma Odisséia no Espaço, porém com um atrativo a mais: a ação que o público costuma gostar tanto, uma verdadeira mina de ouro para o sucesso de Star Wars. E para criar essa ação, Lucas combinou muito bem as “grandes miniaturas” produzidas pelo pessoal da ILM (empresa criada especialmente para os efeitos especiais do filme e que hoje praticamente monopoliza o mercado de efeitos especiais em Hollywood), com efeitos de lasers e uma edição que praticamente salvou o filme da mediocridade total. O jeito como as cenas são montadas trazem aos espectadores uma tensão dramática única, onde todos ficam grudados nas cadeiras evitando serem acertados pelas chuvas de lasers que garoam no espaço.

Além dos combates nas estrelas, aqui também há muita luta “em terra”. Nesses combates, os lasers do Império encontram pela frente o sabre de luz de Luke Skywalker ou Obi-Wan Kenobi: uma arma de charme único e um símbolo quando se pensa em um Jedi. Não é nesse episódio que Luke enfrenta Vader, a não ser por uma breve troca de tiros em naves, mas é possível vê-lo em ação contra diversos guardas do Império (por sinal, como eles atiram mal, hein?). O grande combate corpo a corpo deste filme é, sem dúvidas, entre Obi-Wan e seu antigo pupilo Darth Vader.

O formato do sabre de luz é importantíssimo quando pensamos em toda a teoria Jedi criada por Lucas. Em um futuro onde as mais destruidoras armas de tiro podem ser construídas, os Jedis se portam de sabres de luz pelo simples fato deles serem uma arma de defesa, e não de ataque. Os Jedis nunca atacam gratuitamente, nunca sentem ódio, lembram? Portanto, nada mais justo do que suas armas servirem principalmente para rebaterem lasers ou se defender de um ataque mais violento corporal. O ruído, construído através de uma interferência de um fio desencapado passando perto de uma TV, já constrói o clima da batalha. Quando dois sabres se colidem, dá para sentir a força que esta ação corresponde pelo ruído. Ter um sabre de luz não é apenas status, é poder.

O som também tem um papel fundamental na força de Star Wars. É simplesmente impossível imaginar a tela de entrada, dos letreiros, sem a imortal trilha sonora composta por John Williams. Williams sempre se mostrou um excepcional compositor para trilhas sonoras (o meu preferido de todos os tempos para filmes Blockbusters), e em Star Wars ele construiu mais uma obra-prima (se você não sabe quem ele é, simplesmente pense que ele fez os temas de Indiana Jones, ET, Tubarão, Encontros Imediatos de Terceiro Grau, Super-Homem e mais vários e vários filmes). Os temas, assim como todos os setores visuais do filme, são bem definidos entre o bem e o mal, e nenhum outro define tão bem isso quanto o tema que toma nossos ouvidos toda vez que anuncia a presença de Darth Vader: uma composição forte, maligna e impositiva.

Uma ótima sacada em termos de efeito é quando as naves entram em velocidade da luz. O efeito ficou tão clássico que se tornou uma das marcas da série: a tomada por trás dos personagens, vendo a imensidão do espaço, quando as estrelas começam a se transformar em linhas e a nave seguindo adiante em uma trajetória pré-determinada pelos computadores (outra grande sacada, afinal, isso justifica a falta de uma colisão com uma estrela, por exemplo). Mesmo o filme ignorando algumas lógicas básicas, como o fato do som não se propagar no vácuo (e o som das batalhas e explosões no espaço?), as naves estarem sempre no mesmo sentido vertical (no espaço, sem referência, como podemos saber o que está em cima e o que está embaixo?), as grandes sacadas e a diversão extrema encobrem esse tipo de coisa (aliás, “erros” propositais, feitos em pró da diversão, o que é totalmente aceitável).

O problema de Star Wars está apenas no fardo de ter carregado o nome do primeiro filme da série. Uma vez que ninguém sabia se este filme iria funcionar ou não, Lucas teve de dar a ele um início, um meio e um fim. Mesmo assim, Lucas conseguiu ter o ritmo nas mãos o tempo inteiro, com apenas um escorregão perto do final: o combate à estrela da morte. Não a cena da luta em si (ela é fantástica e genial, e a estrela da morte é uma das armas mais espetaculares da história, disparada a melhor cena do filme), pois ela é perfeita, tensa e encerra com chave de ouro o filme, e sim nas cenas (ou falta delas) que precedem o combate. Dentre a chegada de Luke com os planos até o início do combate, passam-se apenas cinco minutos de filme, quando fica claro que houve uma grande preparação para o ataque. Fica difícil de se convencer então que houve um grande preparo, um profundo estudo para achar um ponto fraco da estrela da morte e tudo mais, resumindo-se (aparentemente) a um ataque desorganizado e orando para Deus que tudo dê certo, quando fica claro, durante o combate, que os rebeldes estavam bem preparados e equipados para tal. Fica um incômodo buraco no tempo que até então não existia.

Sobre as alterações do DVD, há alguns aspectos positivos e outros não. Enquanto alguns efeitos deram uma suavidade visual melhor (como a cor do sabre de luz mesmo, que não me incomodou nem um pouco), algumas outras incomodaram bastante, tanto esteticamente quanto filosoficamente. Os alienígenas e demais bichinhos inseridos nas cidades ficaram péssimos, bem destacados do cenário, o que é uma desagradável surpresa. E Lucas colocar Greedo atirando antes de Han Solo no bar tornou-se uma grande hipocrisia, afinal, tentou mexer com a personalidade de Han, deixando-o mais mocinho – contrariando tudo o que ele havia criado posteriormente para o personagem. De um modo geral, essas alterações felizmente não alteram a qualidade da obra final.

Ao fim de Star Wars, fica-se a impressão de uma tremenda obra-prima do Cinema. O subtítulo “Episódio 4: Uma Nova Esperança” foi adicionado apenas quando Lucas resolveu fazer independentemente os outros dois Episódios da Trilogia inicialmente pensada, então não estranhe se você ver em alguns sites internacionais por aí o filme apenas como Star Wars. Depois de tanta chuva, o arco-íris: milhões de fãs ao redor do mundo, muitos e muitos dólares para o bolso de Lucas e a consagração na Academia, conquistando vários Oscar das dez indicações que recebera. É para sentar, se divertir e embarcar de maneira inesquecível nesse mundo criado e explorado de todas as maneiras possível por George Lucas. O seu sonho fora realizado, e ele o compartilhara conosco.

Rodrigo Cunha
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