Com cenas repulsiva e uma crítica ácida à indústria da beleza e juventude, "A Substância" explora as pressões impostas sobre mulheres e o preço emocional de padrões inatingíveis em uma experiência visceral e provocante.
“A Substância” se encontra em algum lugar entre os subgêneros sátira, body horror e “meu Deus, o que está acontecendo aqui?!”, com destaque para o visual chocante e os efeitos práticos capazes de causar desconforto físico no público. O enredo acompanha a história de Elizabeth Sparkle (Demi Moore), famosa apresentadora de TV que se vê descartada pela indústria devido à idade. Em uma tentativa desesperada de recuperar status e beleza, ela recorre a uma droga misteriosa que promete criar uma versão melhor de si mesma — esta interpretada por Margaret Qualley. No entanto, essa “outra Elizabeth”, que adota o nome de Sue, vive de maneira independente e atende perfeitamente ao estereótipo hipersexualizado exigido pelo programa, refletindo uma versão da mulher que a sociedade, e especialmente o mundo do entretenimento, exige.
À primeira vista, o enredo transparece uma crítica direta à indústria da fama e sua obsessão pela inalcançável juventude perfeita. Contudo, essa exposição do culto à beleza acaba adotando uma abordagem tão exagerada que, por vezes, parece criticar mais a protagonista feminina e sua busca pela aceitação do que o próprio sistema ou os homens que criam esses padrões.
Apesar de o filme reforçar várias vezes que ambas são a mesma pessoa, essa conexão não se traduz na tela. A Elizabeth original fica alheia à vida que sua versão jovem está vivendo, sem visivelmente colher qualquer benefício. Isso levanta a questão: afinal, o que Elizabeth ganha com tudo isso? Em vez de alcançar uma juventude renovada, ela só observa à distância, algumas vezes com desgosto, outras até com um misto de revolta e uma espécie de carinho maternal pela jovem, que agora vive tudo o que ela perdeu. Isso demonstra que a protagonista ainda deseja retornar ao auge, e todo esse conflito interior a torna uma personagem com diferentes peculiaridades — em parte nostálgica e em parte ressentida com o próprio reflexo.
Para todos esses lados aparecerem bem, Demi Moore abandona qualquer vaidade e entrega uma atuação vital para o filme. Enquanto o roteiro não é sempre tão claro sobre as intenções de Elizabeth, Moore compensa com uma atuação emocionalmente carregada, que vai do abatimento à explosão, exibindo a dor de uma mulher cuja identidade foi definida por sua aparência, e que agora se vê sem um propósito de vida. Uma cena memorável acontece quando ela remove e reaplica a maquiagem várias vezes diante do espelho, destacando sua vulnerabilidade e transformando esse momento íntimo em uma crítica potente aos padrões de beleza e ao etarismo. Já Margaret Qualley, como a versão “melhorada” de Elizabeth, surge como o ideal inalcançável de perfeição que a sociedade impõe. Mas a própria Sue logo se torna mais uma escrava desse padrão, ultrapassando seus próprios limites para manter uma imagem idealizada — um claro retrato da pressão que a geração atual enfrenta com a infinidade de procedimentos estéticos existentes.
Em alguns quesitos técnicos, “A Substância” é eficaz e perturbador. O design de som traz efeitos que provocam o público, e aliado a uma trilha sonora penetrante, causam sensações de desconforto quase viscerais. Já no visual, o uso de cores intensas e closes exagerados criam uma experiência sensorial incômoda, potencializando o sentimento de repulsa. Quando unidos, os sentidos vão se misturando e tornam o filme um verdadeiro pesadelo em movimento.
Por outro lado, a edição por vezes peca ao adotar um estilo frenético e repetitivo. Emulando o desconforto psicológico de obras como “Réquiem para um Sonho”, o filme se perde entre ser exaustivo ou didático demais. Quando não está provocando essa viagem perturbadora, a montagem subestima a capacidade do público de lembrar de cenas ocorridas há minutos, ou ainda de fazer suas próprias conexões.
Apesar disso, “A Substância” atinge seu auge ao abraçar a loucura total na sua parcela final. A diretora francesa, Coralie Fargeat, não tem receio de extrapolar o body horror e, de quebra, expor o nosso próprio interesse pela exploração do corpo e pelo voyeurismo proposto pela tela do cinema. A sequência final é o ápice de uma narrativa que não hesitou em ir além. Fargeat leva a premissa do horror corporal ao extremo, criando um espetáculo visual que, embora divisivo, é impossível de passar inexpressivo. A cineasta faz questão de explorar cada detalhe grotesco da transformação de Elizabeth agressivamente, passando na cara o fascínio coletivo pela juventude e perfeição visto durante o longa — ao mesmo tempo que nos contrasta com os efeitos condenáveis de uma sociedade obcecada por esses valores.
No fim, “A Substância” brilha quando abraça sua própria excentricidade. Apesar de uma narrativa por vezes confusa e de alguns elementos questionáveis, o filme se mostra uma experiência bastante intensa, com uma crítica que não mira apenas nos padrões de beleza, mas também na nossa obsessão como espectadores. É uma reflexão ácida sobre o preço da perfeição e um lembrete do desgaste emocional e físico causado pelo culto à beleza, tudo envolto por uma embalagem explosiva de gore e sangue.