Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Motel Destino (2024): paixões e pesares na Terra do Sol

Tendo o Ceará como cenário de sua nova obra, o diretor Karim Aïnouz nos conduz em uma trama repleta de desejo e dores, capitaneada por um jovem protagonista cuja sobrevivência é a sua única ambição.

Nos últimos anos, parece que as plateias vêm reagindo com certo desconforto a cenas mais íntimas, seja na sétima arte ou na televisão, sentimento por vezes traduzido por um riso meio amarelo. Só a psicologia pode explicar os motivos pelos quais o público se mostra mais aberto à violência do que ao sexo, mas este é o cenário em que estamos. E é nele que o cineasta Karim Aïnouz nos entrega seu mais novo longa, “Motel Destino“, que, como o próprio título explicita, tem o desejo físico como uma de suas forças motrizes.

Escrito por Aïnouz ao lado de seu colaborador habitual Mauricio Zacharias (com quem trabalhou em “Madame Satã” e “O Céu de Suelly”) e Wislan Esmeraldo (“Um Pedaço do Mundo”), o filme se passa no litoral do Ceará, onde o jovem Heraldo (o novato Iago Xavier) se exila no estabelecimento-título após fracassar em uma missão para uma chefe do crime local. No Motel Destino, Heraldo se vê em um tenso triângulo amoroso com os donos do lugar, o bruto Elias (o veterano Fábio Assunção, visto recentemente na minissérie “Fim”) e a misteriosa Dayana (Nataly Rocha, da série “Segunda Chamada”). Quanto mais Heraldo se emaranha nas entranhas do motel e de seus proprietários, mais encurralado se vê.

O próprio Motel Destino é muito mais do que um cenário, mas uma entidade viva nessa história, espelhando as condições em constante metamorfose de seus habitantes. Inicialmente apenas um local para Heraldo satisfazer sua lascívia, ele se transforma aos poucos em um refúgio, um lar e uma prisão claustrofóbica, com a fotografia de Hélène Louvart (“A Vida Invisível”) sendo crítica nisso, bem como o excelente desenho de som, que, assim como o recente “Zona de Interesse” retrata constantemente ações fora do quadro.

Isso porque, nos corredores do Motel Destino, os gemidos de prazeres fugares não vistos acabam se tornando fantasmas de alegrias que parecem impossíveis para o protagonista, dotando eventuais atos de voyeurismo de um quê quase masoquista.

Estando em virtualmente todas as cenas da produção, Iago Xavier assume o desafio de retratar o acossado Heraldo com uma coragem voraz, dando alma a esse rapaz que representa uma juventude abandonada, cuja única ambição plausível é sobreviver ao final do dia, tentando ter algum controle sobre os rumos de sua vida, apenas para encontrar mais predadores a cada esquina.

Mesmo os tênues momentos de alegria e gozo parecem ser meros prelúdios — ou até catalizadores — para dores e pesares, com o jovem ator expressando essa angústia de forma brutal e, ao mesmo tempo infantil, retratando de maneira dolorosa o contraste entre sua juventude e a árdua e violenta existência que experimentou em seus poucos anos.

As relações de Heraldo para com Dayana, Elias e com o próprio lugar estão em mutações constantes, o que dá à produção uma urgência única, e ao elenco uma oportunidade aproveitada com gosto para demonstrar as diversas facetas desses personagens.

Nisso, Fábio Assunção mostra em seu Elias um avatar de uma masculinidade desesperada para demonstrar sua dominância o tempo todo, sufocando tudo que tente contrariar sua posição como “macho alfa”, resultando numa amargura que intoxica todos ao seu redor, com o ator emprestando um peso ao personagem que contrasta com uma figura que, aos poucos, revela-se perigosamente patética.

Nataly Rocha, por sua vez, encarna Dayana como uma mulher sufocada. Assim como Heraldo, Dayana busca ter alguma agência em sua vida, sendo atraída não só fisicamente pelo recém-chegado em seu “reino”, mas também por reconhecer nele o mesmo desespero que sente.

As carências de Heraldo e Dayana por diferentes tipos de amor — maternal/filial, romântico, carnal — explodem em cenas sim, ardentes, mas que são necessárias para o andamento da narrativa e expõem não apenas os corpos dos personagens, mas suas essências, dores e quereres, algo frequente na filmografia de Karim Aïnouz.

No fim das contas, em “Motel Destino”, o cineasta nos lembra que, a despeito de pudores exacerbados, uma das expressões mais cruas da espécie humana é a sexualidade, que pode ser fonte dos sentimentos mais ingênuos ou dos sofrimentos mais profundos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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