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OPINIÃO   sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A Casa do Dragão (HBO, 2ª temporada): falta de ápice esconde brilho ainda existente

Com final anticlimático, segundo ano da série até pode ser pintado como "decepção", mas ainda há muita carne nesse osso para que seja descartado tão rápido assim.

*ATENÇÃO: contém spoilers sobre a primeira e segunda temporadas de “A Casa do Dragão”*

Um dos grandes temas associados a “Game of Thrones”, tanto em seu auge quanto em seu declínio, foi o de “subverter expectativas”. Mesmo antes de seus personagens mais importantes cometerem decisões sem sentido ou serem colocados em tramas que nunca haviam sido pensadas como suas, a série já mexia com nossas mentes quando trocava o esperado pelo (magnificamente) surpreendente. Em sua segunda temporada, “A Casa do Dragão” parece tentar sua própria subversão, nem sempre sendo bem sucedida nisso, mas entregando um sólido capítulo da história de Fogo e Sangue.

Depois de um preâmbulo cheio de intrigas, traições e mortes, o final da primeira temporada colocou as peças no tabuleiro para a guerra que ainda viria. De um lado, Rhaenyra Targaryen (Emma D’Arcy), primogênita e única herdeira reconhecida de Viserys I (Paddy Considine). Do outro, Aegon Targaryen (Tom Glynn-Carney), primeiro filho homem do rei com sua segunda esposa, Alicent Hightower (Olivia Cooke). A questão da sucessão não seria sequer uma questão se a rainha viúva não tivesse visitado seu esposo em seus últimos momentos antes de morrer e não tivesse ouvido aquilo que desejava ouvir diretamente de seus lábios. Aegon deveria ser o sucessor, e assim o trono foi usurpado. E não havia cartas ou acordos que pudessem resolver a questão depois que Lucerys Velaryon, segundo filho de Rhaenyra, fora brutalmente assassinado por Aemond Targaryen (Ewan Mitchell), o segundo filho de Alicent. Verdes versus Pretos, escolha seu lado. A guerra terá início. Ou é isso que o público esperava.

O maior defeito desta nova temporada foi ter se vendido como o momento dos conflitos e batalhas do que conhecemos como Dança dos Dragões. Sim, dragões de fato dançaram, mas apenas em um (glorioso) episódio, com vários outros capítulos de uma preparação interminável ao seu redor, em uma temporada que já foi diminuída de dez a oito episódios. Com roteiros já finalizados à época das filmagens, “A Casa do Dragão” não foi tão impactada pela greve dos roteiristas como se pode imaginar, embora sempre haja o que se aperfeiçoar. A decisão de menos episódios já havia sido tomada antes da greve, porém quando se chega ao finale, a ausência do nono e décimo capítulos causa um grande rombo na temporada para as expectativas de quem comprou o que a HBO parecia vender. Mas para quem consegue aproveitar a jornada tanto quanto o fim, houve o que aproveitar.

Não foi em batalhas, e sim em personagens que esta temporada de fato investiu, começando por Rhaenyra e Alicent, cuja relação ainda é o centro do conflito. Posicionadas na série como amigas forçadas a se tornarem inimigas, a tendência seria distanciá-las ainda mais. Mas a sensação é que em meio aos homens que só buscam uma desculpa para guerrear, as duas se aproximaram por quererem uma forma de atingir a paz sem derramamento de sangue. Na primeira temporada, a versão mais jovem de Alicent representou a tentativa de oferecer um lado mais humano e vulnerável àquela que seria a vilã da heroína representada por Rhaenyra, mas a versão adulta retratada tão primorosamente por Olivia Cooke só confirmou a decisão que o público já havia tomado de odiá-la. É uma surpresa então ver que o segundo ano da série volta atrás, e quando se mais espera que Alicent invista em ser inimiga de Rhaenyra, é quando ela faz o caminho oposto.

Alicent começa a ter dúvidas sobre a capacidade de Aegon de liderar, e de seu Pequeno Conselho de oferecer bons… conselhos. Rodeada por homens que claramente rejeitam sua presença, ela começa a ver que seu poder morreu junto com Viserys, e agora ela é “apenas” uma mulher. Porém, que escolha ela tem se não continuar apoiando aquilo que acredita ser a opção certa? A não ser que não seja a opção certa.

No episódio O Moinho Ardente, no primeiro dos encontros entre Alicent e Rhaenyra na temporada, a rainha viúva descobre ter entendido errado o que Viserys dissera em seu suspiro final. Além de ser um tanto cômica, a cena não funciona muito bem e serve para colocar Alicent em um espiral de incerteza que não serve nem à personagem nem à atriz. No entanto, esse momento também acaba sendo a semente de um segundo encontro entre as duas, desta vez com um propósito, e uma execução magnífica. Antes melhores amigas, elas conseguem colocar para fora todos os ressentimentos que, acumulados, foram a causa de não poderem mais estar juntas. Poderia haver, sim, um cenário em que esta grande família Targaryen seria unida e feliz, mas não daria um bom conflito, e nem uma boa série. Nessa cena que leva aos momentos finais da temporada, D’Arcy e Cooke mostraram por que são as estrelas de “A Casa do Dragão”, algo que não deve mudar até sua conclusão. Destaque especial para Cooke que, com tão pouco para se trabalhar, brilha sempre que lhe dada a chance.

Com muitos pontos altos na direção e roteiro durante a primeira temporada, a série desta vez perde um pouco da potência individual da equipe criativa, dando mais a impressão de que tudo é um mesmo capítulo estendido por oito semanas. No entanto, há dois episódios que se destacam e muito se deve às maiores estrelas não faladas da série: os dragões. Em O Dragão Vermelho e O Dourado, dirigido pelo veterano da saga, Alan Taylor, as feras aladas se assemelham mais com animais de estimação, mostrando serem apegados e fiéis ao seus montadores, e quando colocados a sofrer por uma guerra que não é deles, — embora leve o seu nome — quebram o coração do público, similar a como acontecia quando um lobo gigante era cortado para diminuir o orçamento em “Game of Thrones”. É nesse episódio também que a série perde Eve Best, responsável por dar vida a uma elegante, decidida, sábia e corajosa Rhaenys Targaryen.

O outro episódio de destaque é A Semeação Vermelha, quando potenciais bastardos Targaryen tentam domar um dragão feroz. Felizmente, não houve economia de recursos para mostrar os detalhes e diferenças entre os dragões do lado Verde e do lado Preto, todos criaturas incríveis. É aqui também que é permitido a Rhaenyra mostrar seus primeiros traços de uma líder que fará tudo por seu propósito, até mesmo deixar que inocentes morram, pois os deuses a escolheram, e essa oportunidade não pode ser ignorada. Durante a maior parte da temporada, a rainha não toma uma atitude, ou a atitude que toma não é julgada como correta por aqueles que a rodeiam. Presa, impedida de lutar, ela finalmente consegue se firmar em uma decisão, e conquista a vantagem para seu lado. Se as consequências desta semeação farão jus ao caminho que Rhaenhyra está tomando, só o futuro dirá. Mas é bom saber que consistentemente tem sido mostrado o poder que os plebeus têm quando estão insatisfeitos.

A temporada também traz momentos esperados dos fãs do livro, como a morte do príncipe Jaehaerys por Sangue e Queijo e a ascensão de Aemond ao poder, assim como cria momentos originais, com Helaena (Phia Saban) tendo maior protagonismo que seu equivalente em Fogo & Sangue e Mysaria (Sonoya Mizuno) se posicionando como uma aliada (e algo mais?) inesperada de Rhaenyra.

Mas talvez a maior das surpresas da nova temporada tenha sido impedir Daemon (Matt Smith) de ser o guerreiro que tão conhecidamente é, para que com ele fosse feito o mais inusitado desenvolvimento de personagem. Uma decisão polêmica e muito criticada nas reações de fãs nas redes sociais a cada episódio, prender Daemon na fortaleza assombrada de Harrenhal o forçou a olhar para dentro de si e se enfrentar, em vez de fugir. Através de visões, o príncipe consorte percebe o quanto errou com seu irmão Viserys, e o quanto tem errado com sua sobrinha e esposa Rhaenyra, mas ao mesmo tempo insiste que a melhor opção é que ele mesmo seja rei. Sua “prisão” em Harrenhal começa no episódio três, ainda parecendo uma aventura intrigante para o Targaryen. Porém, com o passar dos capítulos, cada nova cena naquele lugar era acompanhada de uma virada de olhos coletiva, afinal, qual seria o propósito de descaracterizar tanto o personagem? Resposta: nenhum. Digo, quem quer que tenha tido essa ideia deve ter se dado um tapinha nas costas por achar uma solução para o problema do egoísmo de Daemon. É irônico, então, pensar que esse foi um problema que eles mesmos criaram. No final, o príncipe volta para o mesmo lugar que estava no fim da primeira temporada, junto e fiel a Rhaenyra.

O mais irritante é concluir que essa trama foi pensada como uma forma de novamente trazer a tal profecia do Príncipe Prometido à tona, dando uma motivação nobre ao que deveria ser apenas uma disputa pelo trono. Bom, não há mais sentido em reclamar de uma ideia tão fincada na história que pretende ser contada, basta apenas torcer pela execução. “A Casa do Dragão” é uma das poucas adaptações que tem maior abertura para ser original, e o problema nunca realmente é tentar surpreender, e sim como. Agora oficialmente programada para acabar na quarta temporada, a série sabe aonde deve chegar, só precisa seguir um bom e estável caminho até lá. E quando os dragões dançarem, o público terá o que merece.

Louise Alves
@louisemtm

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