A prequel de "A Profecia" é uma inquietante viagem sensorial pelo universo feminino e suas dúbias "obrigações" sacro-mundanas.
Convenhamos que “A Profecia”, filme dirigido por Richard Donner em 1976, nunca foi lá grandes coisas. Com um punhado de cenas icônicas, premissa estimulante (criança diabo) e uma música arrebatadora (Ave Satani, que até ganhou um Oscar), o longa original nada mais é que um arremedo de teorias conspiratórias absurdas e uma narrativa que abusa da boa vontade de espectador em acreditar que um diplomata e um fotografo tornam-se, de uma hora pra outra, grandes detetives que se guiam por manchas em fotografias. O filme até ganhou duas continuações que mal resistem à memoria coletiva e também um remake, em 2006, que beira o ridículo, já que recria fielmente a história e cenas do original, mas adaptando as tais profecias alucinógenas para a década de 2000 (colocam até as torres gêmeas no balaio).
Em “A Primeira Profecia”, a diretora e roteirista Arkasha Stevenson abandona a bobeira conventícula de “o mar é a política” e injeta potência em um longa que, dentre outros assuntos, evidencia a exploração e apropriação do corpo feminino, a violência obstétrica e até mesmo, vejam só, o patriarcado na sua mais solene ambientação: um convento de freiras.
Na história, uma noviça norte americana (Nell Tiger Free) chega em um convento em Roma para sua cerimonia do véu (quase como uma formatura das freiras católicas) e passa a ter visões aterradoras com Carlita (Nicole Sorace), uma garota que mora lá (ou que está presa?), ao mesmo tempo que vai descobrindo detalhes sombrios do local e das pessoas que cuidam dele, assim como uma possível articulação para o nascimento do anticristo.
Nell já mostrou que sabe bem como segurar o papel de alguém perturbado na série “Servant” e aqui não deixa quase espaço para mais ninguém brilhar, com exceção da sempre espetacular Sônia Braga, que aparece austera e assustadora como a Madre Superiora do monastério. É na firmeza dela que praticamente todas as atrocidades que vão se desenrolando na tela ganham crivo e uma verdade quase sufocante.
A “Primeira Profecia” é tenso e muito bem produzido, mas seu maior predicado é esfregar no rosto do incauto espectador (que talvez só procurasse um longa cheio de sustos fáceis sobre a origem do diabo) que mesmo com o passar dos anos, décadas e até séculos, o corpo da mulher é disposto como algo a ser profanado, escarafunchado e suprimido, seja lá para qual for a motivação, até mesmo para salvar ou destruir o mundo.