Segundo longa da saga melhora ao focar na jornada do protagonista sem esquecer da grandiosidade técnica e visual proposta no filme anterior.
“Duna: Parte 2” foi privilegiado desde a sua concepção, graças ao trabalho de preparação realizado pelo primeiro filme. Criticado por muitos (me incluo nessa lista) por ser introdutório demais, “Duna: Parte 1” desenvolveu muito pouco da intriga política presente no material original, ao mesmo tempo em que não se aprofundou no protagonista e em suas incertezas quanto a profecia de que seria o Predestinado. Assim, restava apenas um vazio em um mundo belíssimo e bem construído, cuja grandiosidade muitos deixaram de apreciar nos cinemas devido às adversidades do período de lançamento. Com o universo e boa parte dos personagens já apresentados, a continuação teve tempo o bastante para desenvolver por completo a relação entre Paul Atreides (Timothée Chalamet) e o povo do deserto. E ao invés de trazer as implicações políticas à tona, o roteiro preferiu focar no que sempre foi um pilar da saga literária de Frank Hebert: como um líder carismático tem seus erros potencializados pelo fanatismo de seus seguidores.
Após um breve prólogo, o novo longa dá sequência aos acontecimentos finais do filme anterior, com Paul e Lady Jessica (Rebecca Ferguson) na companhia do povo do deserto — tratados mais como prisioneiros do que necessariamente hóspedes. Apesar de toda a beleza da cena de ação inicial (que ocorre durante um eclipse), a fala mais importante dos primeiros minutos é a de Stilgar (Javier Bardem), líder local daquela tribo. Ele desdenha da empáfia de Paul por este achar que os inimigos que os perseguiam estavam em busca do último da linhagem Atreides. “Somente Fremens sobrevivem no deserto. Eles estavam aqui por nós, não por vocês”. Enquanto a primeira frase indica que o protagonista precisa se unir aos Fremen para garantir sua sobrevivência, a segunda antecipa um conflito tão importante quanto essa jornada.
Após toda a construção de mundo do longa anterior, Denis Villeneuve (“Blade Runner 2049”) aposta no desenvolvimento intenso dos Fremen (que no livro são claramente baseados nas sociedades adeptas do Islã), mostrando suas crenças, seu idioma, seus costumes e suas rivalidades locais. Nesse contexto, temos Stilgar como a personificação dos que creem na vinda de uma figura messiânica (e que esta pode ser Paul), enquanto Chani (Zendaya) representa os céticos que acreditam que seu povo deve ser responsável pela própria libertação. Apesar de utilizar muito tempo para desenvolver esse conflito em paralelo à progressão de Paul aprendendo a fazer parte daquela sociedade, a edição de “Duna: Parte 2” é eficiente ao encadear vários eventos e elipses, saindo um pouco do estilo contemplativo do primeiro filme e evitando que as sequências se tornem lentas ou maçantes.
Antes um ser passivo em praticamente toda a Parte 1, Paul Atreides agora pode ser chamado, de fato, de protagonista. Sua jornada cresce após o massacre que dizimou quase todos os seus parentes e amigos, mostrando gradativamente a mudança na sua mentalidade. No início, o personagem entendia a profecia como algo fabricado pelas Bene Gesserit para controlar os Fremen e a rejeitava de todas as formas, chegando a protestar contra sua própria existência, uma vez que uma decisão egoísta de Lady Jessica traçou o destino do rapaz antes mesmo do seu nascimento. Porém, à medida que suas visões vão se concretizando até um ponto fatídico, Paul passa a aceitar não que ele seja o messias que vai libertar o povo Fremen, mas sim o escolhido que vai levá-los a uma guerra santa em seu nome. A atuação de Timothée Chalamet, que já funcionou no primeiro filme mesmo com um roteiro escasso, agora encontra-se ainda mais afinada com o protagonista, sobretudo em cenas mais exigentes como um discurso inflamado ou uma luta brutal.
Ainda falando em atuações, é difícil criticar qualquer uma com um elenco tão estrelado. Porém, são tantos nomes de peso que Villeneuve parece não encontrar tempo suficiente para lidar com todos. Personagens com poucas cenas ficam relegados a arquétipos de fácil identificação, como o Imperador Shaddam IV de Christopher Walken, ou a personalidades caricatas e unidimensionais, como o Feyd-Rautha Harkonnen de Austin Butler. Porém, faz-se necessário destacar mais uma vez a presença indispensável do Stilgar de Javier Bardem. Embora em um primeiro momento ele possa ser visto como uma espécie de alívio cômico, sua existência é fundamental na construção da narrativa de Paul se tornando um tirano. O que começa podendo ser interpretado como devaneios de um crente fervoroso se transforma na força que o protagonista precisa para alcançar seus objetivos — cuja ideia altruísta de libertação do povo Fremen deixa de ser motivação e transforma-se em mera consequência do que está por vir. E a crença cega de Stilgar o leva a agir impulsivamente em busca de um paraíso que futuramente deve se revelar como um verdadeiro inferno.
As proporções épicas continuam dando o tom do novo capítulo da saga, embora dessa vez o diretor tenha se preocupado em trazer cenas mais intimistas intercaladas com a grandiosidade daquele universo. Apesar desse esforço, o que ainda chama mais a atenção para “Duna: Parte 2” é a forma como a obra original foi adaptada para as telas. É perfeitamente aceitável não criar tanto apego pelos personagens ou achar a trama previsível — ainda que os livros de Frank Herbert tenham dado origem a muitos clichês narrativos que conhecemos. Porém, é inegável o quanto a saga que Denis Villeneuve está desenvolvendo é um verdadeiro espetáculo visual, daqueles que impressionam durante a reprodução e crescem ainda mais nas lembranças de quem foi impactado positivamente. Enquanto “Parte 1” já brilhava nesse quesito, agora é possível sentir uma evolução em todos os aspectos. Embora tenhamos testemunhado a ascenção de Paul Atreides já antecipando um possível declínio, nos resta esperar que o diretor canadense consiga finalizar sua trilogia em um ápice ainda mais alto do que o atingido agora.
Comentamos sobre “Duna: Parte 2” no RapaduraCast.