Indeciso entre ser um experimento comercial e um retrato sensível sobre um relacionamento proibido, Almodóvar entrega um média-metragem que entretém, mas parece deixado pela metade.
Quando foi anunciado, “Estranha Forma de Vida” vinha sempre acompanhado da seguinte descrição: “É a resposta de Pedro Almodóvar a ‘O Segredo de Brokeback Mountain‘”. Nos idos dos anos 2000, o cineasta espanhol teve a oportunidade de dirigir o longa, mas recusou. A ideia de um faroeste com um romance entre dois cowboys permaneceu na cabeça de Almodóvar, que explora o mesmo conceito neste média-metragem, seu primeiro filme em inglês e com elenco de Hollywood.
Mais uma experiência do que um conto em si, “Estranha Forma de Vida” foi concebido também de forma estranha por ser uma colaboração de Almodóvar com a grife Yves Saint Laurent, que agora busca atuar no ramo de produções cinematográficas. O toque é perceptível, ainda que não necessariamente relevante, e acaba transformando a obra em algo mais parecido com um comercial com pretensões cinematográficas do que um filme com pretensões comerciais.
Ainda assim, o que há de Almodóvar é encantador. O longa acompanha o reencontro do cowboy Silva (Pedro Pascal) com o xerife Jake (Ethan Hawke) após 25 anos separados. Quando jovem, a dupla trabalhou junta como caçadores de recompensas, e, no calor da juventude, frequentemente confundiam amor, trabalho e festa, mas sempre focando um no outro. Com o passar dos anos, os amantes se distanciaram, apesar do sonho antigo de terem um rancho e viverem juntos. A idade não caiu bem a Jake, que tornou-se um adulto reprimido por suas próprias noções de vida, enquanto Silva permanece tão sanguíneo quanto sempre fora. Quando um caso extremamente pessoal aparece para Jake investigar, seu caminho cruza com o de Silva, e o ex-casal precisa finalmente confrontar quem eram no passado e quem se tornaram no presente.
O contraste entre Jake e Silva fica claro desde o minuto inicial. O primeiro, um xerife que veste preto, sempre com a insígnia alinhada com a lapela do blazer e o cabelo domado com gel. O segundo é um banho de cor em um deserto bege, vestindo jaqueta verde e roupas vermelhas por baixo com cabelo desgrenhado. Inicialmente é de se espantar como eles podem ter sido um casal, de tão diferentes que são até mesmo em sua intimidade.
Em entrevista exibida junto ao filme nos cinemas, Almodóvar explica suas intenções com “Estranha Forma de Vida”: explorar como as pessoas deixam que seus desejos e impulsos sejam reprimidos a ponto de tentarem se ver completamente diferentes de quem realmente são. Vem daí o próprio título do filme, referência ao clássico fado português interpretado por Caetano Veloso em falsete, como uma mulher. O olhar sensível e feminino é realmente um atributo de Almodóvar que faz falta aos homens, e analisa a masculinidade do casal protagonista da forma mais tenra possível — enquanto Silva mostra e fala o que seu parceiro quer tanto disfarçar e omitir, Jake parece sempre imerso em sua opressão a si mesmo.
Ainda assim, apesar de Almodóvar considerar que o formato do média-metragem lhe garante maior liberdade para contar histórias sem precisar alongá-las à longa duração, “Estranha Forma de Vida” é breve demais, deixando por desejar um desfecho que de fato satisfaça a expectativa criada ao redor do romance proibido de Jake e Silva. Parece, então, que o que ocorreu com o média-metragem foi o contrário do que Almodóvar descreve sobre o formato longo, como se uma história maior tivesse sido contada pela metade para caber em uma experiência mais breve. Quem assiste sai sedento por mais, cabendo facilmente o triplo da duração no filme, o que evidencia o viés comercial e experimental do filme se sobressaindo sobre a visão artística de Almodóvar.