Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Besouro Azul (2023): fórmula típica, mas com tempero latino

Com atuação impecável da estrela brasileira Bruna Marquezine, o novo filme da DC pode até ser previsível, mas faz o que poucos antes dele conseguiram: criar identificação com uma trama e personagens.

Pode soar estranho falar isso sobre um filme de super-herói atualmente, mas alguns longas precisam lutar para ser vistos. Com a Warner Bros. utilizando-se do argumento de corte de gastos para engavetar diversos projetos que teriam a tela grande como destino, a dança das cadeiras eventualmente levou uma obra que seria lançada apenas em streaming aos cinemas. Ainda bem, senão não teríamos o satisfatório “Besouro Azul” estreando neste fim de semana.

Ainda não se sabe direito onde o filme se encaixa na nova administração da DC, liderada por James Gunn e Peter Safran, mas, a princípio, “Besouro Azul” é um dos primeiros projetos desta nova fase. Se depender do tom impresso aqui, o DCU pode até continuar formulaico e previsível, mas pelo menos terá muito mais coração do que o extinto DCEU. O longa de Angel Manuel Soto é divertido e carinhoso com seus personagens e público, ainda que não traga nada ao gênero que já não tenha sido visto inúmeras vezes anteriormente.

A premissa é clara: apresentar um super-herói latino e adicionar uma pitada de representatividade a um gênero sobrecarregado de mais do mesmo. O elenco principal (inteiramente latino) é uma família extremamente unida. Na trama, um mecanismo militar alienígena, o Escaravelho, escolhe Jaime Reyes (Xolo Maridueña) como seu hospedeiro, transformando o jovem em um exército de um homem só. Reyes, claro, não quer nada com isso, tendo acabado de se formar em Direito, precisando passar no exame da ordem e estando prestes a ver sua família perder tudo para o poder avassalador das Indústrias Kord, lideradas pela gananciosa Victoria Kord (Susan Sarandon).

O roteiro de Gareth Dunner-Alcocer pouco faz para trazer qualquer frescor à narrativa, sendo apenas o básico, um arroz com feijão. A questão é que arroz com feijão é uma iguaria latina (brasileira, sim) que Hollywood nunca provou antes, então “Besouro Azul” inevitavelmente traz um sabor de novidade. O responsável por adicionar a mistura a um prato que antes seria insosso é o diretor Angel Manuel Soto, que povoa o filme com inúmeras referências à cultura latina, de “Maria do Bairro” ao insuperável Chapolim Colorado. Ainda que essas referências pareçam um pouco jogadas, como músicas típicas mexicanas e pop rock latino tocando o tempo todo, elas claramente são importantes, pois é o elemento estadunidense que parece fora do encaixe quando aparece (e é sutilmente criticado, também).

O coração do filme, no entanto, reside nas atuações cativantes de Xolo Maridueña e da estrela brasileira Bruna Marquezine. Para quem está acostumado a ver o protagonista em “Cobra Kai“, seu Jaime Reyes é infinitamente mais carismático do que qualquer lutador de caratê, e suas motivações são muito mais realistas do que os demais super-heróis da DC: ele quer apenas salvar sua família. Mais que isso, Maridueña está claramente se divertindo com a chance de interpretar um herói do estúdio, o que adiciona uma pitada de carisma que, de novo, Batman, Flash, Mulher-Maravilha e Superman sequer imaginam que existam.

Mas, ainda que Maridueña seja o protagonista e herói titular, é Bruna Marquezine quem rouba todas as cenas em que aparece. Ela interpreta Jenny Kord, sobrinha da vilã Victoria que quer salvar a imagem da empresa que foi distorcida por sua tia, e que acaba envolvendo a família Reyes ao colocar o Escaravelho em contato com Jaime. Mas não se engane: ela não é apenas um par romântico, e encaixa-se muito mais na função de uma segunda protagonista do que de mera coadjuvante. Para quem cresceu vendo Marquezine nas novelas brasileiras, sua atuação pode parecer caricata de início, principalmente por lidar com tropes famosas da teledramaturgia como drama familiar. Porém, passadas as primeiras cenas, a atriz toma posse do papel de Jenny de forma natural e torna-se o motor emocional do filme, um coração que bate forte.

Ainda que sofra com a falta de carisma de seus vilões, “Besouro Azul” mais do que compensa isso com um núcleo coeso no lado da família Reyes e Jenny Kord. As motivações de Jaime e Jenny são muito mais palpáveis do que qualquer fim do mundo ou ditadura galática que filmes anteriores tenham tentado emplacar, algo mais fácil de se identificar para o espectador padrão. De fato, alguns talentos parecem subutilizados, principalmente Harvey Guillén (o hilário Guillermo, da série “O Que Fazemos nas Sombras“), mas o poder e a química de Maridueña e Marquezine são tão avassaladores que até ofuscam talentos hollywoodianos. Se a DC de Gunn e Safran seguir a receita de “Besouro Azul”, não há como o resultado ser outro senão um sucesso.

Julio Bardini
@juliob09

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