Cobrança excessiva às produções do estúdio acaba prejudicando essa obra de lindo visual mais do que seu próprio roteiro mediano.
Os últimos lançamentos da Pixar vêm enfrentando contestações de público e crítica por, dentre outros motivos, não estarem à altura do padrão de qualidade estabelecido pelo próprio estúdio em seus trabalhos mais antigos. Contudo, várias dessas produções têm seus méritos, e com “Elementos” não é diferente. O lindo visual se destaca mais uma vez, assim como a sempre surpreendente capacidade da Pixar de personificar coisas inanimadas — neste caso os elementos ar, água, terra e fogo. Mas o roteiro, apesar de tantas boas intenções, acaba sendo o maior vilão da obra.
Nossa protagonista é Faísca, uma jovem imigrante do povo do Fogo que vive com os pais em uma comunidade da Cidade Elemento. Na grande metrópole, os seres formados por Água, Terra e Ar vivem em harmonia, enquanto os indivíduos do Fogo vivem à margem e enfrentam o preconceito dos demais ante o poder destrutivo do elemento flamejante. Com a pressão de assumir os negócios quando o pai se aposentar e dificuldades de controlar o temperamento explosivo, Faísca mergulha em um mar de confusões e descobertas quando conhece o elemental da Água, Gota, que a envolve em uma situação que pode fechar a loja de sua família.
Diferente da tradicional comédia aventuresca, “Elementos” se encaixa melhor no gênero comédia romântica com bons toques de coming of age. Enquanto os trailers vendiam bastante a relação entre o casal, os antecedentes familiares e o amadurecimento da protagonista é parte essencial da história, ainda que nunca seja abraçada plenamente. Trata-se de uma história de imigrantes sofrendo para se estabelecerem em um lugar distante, e o medo do jovem de decepcionar os pais por não seguir seus passos é algo cultural em vários países, sobretudo da Ásia. Não por acaso, o diretor Peter Sohn (“O Bom Dinossauro”) possui ascendência sul-coreana, e a mesma temática foi abordada recentemente em outro filme da Pixar, “Red – Crescer é uma Fera”, dirigido pela chinesa Domee Shi.
Já na representação de casal, Faísca e Gota são encantadores, e a forma cheia de otimismo como o amor é retratado é algo saudável em um filme para crianças. Contudo, o personagem da Água parece servir mais ao propósito de despertar novos propósitos na protagonista do que necessariamente ter seu próprio desenvolvimento. Esse problema de construção também afeta vários figurantes, principalmente os formados por Ar e Terra. Tanto que os principais representantes destes elementos ganham o mínimo de tempo de tela apenas para que os quatro elementos tenham personagens para os materiais promocionais.
Além desses pontos, o roteiro conta ainda com leves pinceladas de críticas sociais à burocracia do serviço público e à falta de empenho na resolução de problemas que afetam áreas marginalizadas das grandes cidades, mas claro que este é uma trama secundária totalmente superficial, usada apenas para fazer a principal andar. Essa indecisão de nunca ir totalmente por um caminho principal acaba dando uma sensação de que as coisas estão se resolvendo de forma apressada e o ritmo está acelerado demais — só assim para dar conta de fechar tantos subplots. Isso acaba prejudicando o clímax emocional do casal, e o longa ganha mais um pico dramático no fim, para que a jornada de amadurecimento de Faísca também termine de forma comovente.
O primor visual talvez seja a única unanimidade positiva. A produção usa técnicas avançadas para que cada personagem seja único e condizente com as características do seu elemento formador. Apesar de alguns efeitos repetitivos, principalmente entres os secundários de Ar e Água, as texturas e fluidez de movimento são muito bem feitas, sobretudo nos protagonistas e seus familiares. Faísca e os seres do Fogo possuem um visual próprio, como uma pintura feita à mão e suas chamas estão sempre em constante inquietação. Já os elementais da água possuem um cuidado ainda mais especial pela sua transparência ou por estarem sempre refletindo a luz próxima. A interação entre os elementos também é linda de se ver.
A dura realidade é que “Elementos” sofre uma cobrança excessiva por se tratar de um lançamento da Pixar. O viusal da obra é algo deslumbrante, mas é tratado por muitos como “apenas obrigação” do estúdio. E o roteiro, maior problema da produção, ainda é satisfatório e superior a diversos exemplares de outros estúdios, mesmo longe de promover uma revolução inesquecível como sempre se espera dos lançamentos da Pixar. Deixando essa pressão de lado e se atendo aos méritos do filme, trata-se de um romance para o público infantil agradável de se ver, com protagonistas cativantes dentro de uma alegoria sobre imigração superficial mas com boas intenções.