Alguns anos atrás, Martin Scorsese comentou que não consegue pensar em filmes de super-heróis como cinema, mas como parques de diversões. À época, ele se referia aos longas da Marvel Studios, que dominavam (e ainda dominam) as salas de cinema. Apenas agora, depois de décadas e inúmeras trocas de comando, a concorrente DC parece ter entendido que sucesso nesse ramo é alinhar-se à visão de Scorsese, pois é exatamente essa a sensação de assistir “The Flash“: estar em um parque de diversões.

O longa é o penúltimo do chamado Universo Estendido DC, iniciado por Zack Snyder e que será encerrado para dar lugar ao DCU, novo universo liderado por James Gunn. “The Flash” se encaixa nessa zona entre um e outro, com a responsabilidade de encerrar o primeiro e preparar terreno para o segundo — mas falha em ambos. Em vez disso, a obra de Andy Muschietti se propõe a contar uma história muito bem definida dentro de si mesmo, sem se preocupar com amarrar nada. Para quem vai ao cinema com a intenção de se divertir, esse é o melhor traço do filme, pois ele parece idealizado como um parque de diversões. Ainda que o Barry Allen de Ezra Miller seja a atração principal, é como se cada herói do estúdio também tivesse sua própria atração (e alguns até mais de uma).

Baseado no arco “Flashpoint” dos quadrinhos, o roteiro de Cristina Hodson pouco se preocupa em explicar os meandros do multiverso ou de linhas temporais distintas. Ainda que isso possa aborrecer alguns, é exatamente o que torna o filme tão divertido, já que não há responsabilidade de ser fiel a nada, apenas a si mesmo. Tudo começa quando Barry Allen, um jovem ansioso e que faz malabarismo para conciliar trabalho, vida pessoal e ser um super-herói, descobre ter a capacidade de visualizar e interferir em eventos passados. Seu trauma pregresso é a perda da mãe (Maribel Verdú), e ele decide fazer de tudo para trazê-la de volta. A partir daí, a trama se desenrola como múltiplas montanhas russas que, de algum jeito, têm os mesmos começo e fim.

Talvez o ponto de maior polêmica ao redor de “The Flash” antes de seu lançamento, Ezra Miller dá vida a um Barry Allen com o qual os jovens adultos certamente se identificarão. Ele é extremamente preocupado com conciliar tudo e, como consequência, não consegue fazer nada direito. Além disso, ele ainda carrega uma culpa irremediável por tudo que lhe acontece, mesmo que esteja fora de seu controle. Nada disso apaga a culpa ou responsabilidade de Miller por suas ações fora do set, nem o torna um exemplo para jovens aspirantes. É apenas uma pena que uma estrela com tanto talento e potencial opte por jogar tudo fora e cause tanto dano a si próprio e a outros como Miller fez.

Outro ponto digno de nota é a escolha dos heróis que acompanham Barry Allen em sua jornada pelo multiverso. Adaptações certamente teriam que ser feitas do “Flashpoint” dos quadrinhos para “The Flash” nos cinemas, e todas parecem tão naturais quanto as das HQs. A principal delas é, claro, o retorno do Batman de Michael Keaton, que reassume o papel como se não houvessem passado tantos anos. Ainda que os filmes de Tim Burton sejam cartunescos ao extremo, Muschietti consegue emular a direção do excêntrico cineasta e atribuir um tom clássico, mas ao mesmo tempo moderno ao Homem-Morcego. O fascínio de Barry ao conhecê-lo é o mesmo que a plateia sente: este é o Batman, e você confia nele. Algo similar ocorre com a Supergirl de Sasha Calle, com a sensação de conforto substituída pelo deslumbramento de conhecer alguém novo. Superman e Supergirl nunca foram tão diferentes nos quadrinhos, e ela captura essa semelhança perfeitamente — seria uma pena ela não ser utilizada por James Gunn no futuro DCU.

Mas “The Flash” não vem sem erros, e o debate que ele evoca é sobre efeitos especiais. É espantoso que um filme que dependa tanto de CGI e tenha passado tanto tempo em pós-produção não consiga entregar sequer cenas em que o uso de tela verde não seja óbvio. O setor de efeitos visuais vem sobrecarregado com a alta demanda de obras como “The Flash”, e está cada vez mais claro que o modelo atual não se sustenta no longo prazo. Os créditos indicam estúdios de várias partes do mundo envolvidos na produção do longa, e mesmo assim há momentos que não podem ser descritos de outra forma senão grotescos.

Para sorte dos fãs e espectadores, Muschietti consegue balancear a pobreza dos efeitos com um pulso firme no andamento da história. No fim, é graças à sua direção que “The Flash” consegue entregar algo que a DC nunca conseguiu antes: diversão descompromissada e despretensiosa. Fosse essa a toada do antigo DCEU nos cinemas, talvez a marca sempre tivesse feito frente à Marvel nos cinemas. Infelizmente, não há mais como estruturar um universo decadente ao redor de um êxito único e tardio. O que fica é a sensação de que o parque de diversões da DC inaugurou sua melhor atração perto do fechamento para reformas. Tomara apenas que ela continue lá quando reabrir.