Com um elenco brilhante, novo filme de Ben Affleck é um frescor original e necessário em meio a um mar de franquias saturadas.
Antes de se tornar o fenômeno indiscutível que foi e de revolucionar o basquete, Michael Jordan já vinha revolucionando outras áreas de atuação, ainda que não fosse essa necessariamente sua intenção. O astro foi um dos primeiros grandes cases de marketing esportivo logo em seu primeiro ano na NBA, e ajudou a revolucionar a forma com que materiais esportivos eram pensados e vendidos, muitas das práticas seguindo até hoje. O primeiro resultado dessa nova mentalidade veio junto com sua estreia pelo Chicago Bulls, e marcou a cultura popular da mesma forma que ele marcou o esporte: o Air Jordan.
Ainda que não pareça à primeira vista, a história por trás de um calçado pode muito bem ser tão interessante quanto à de um astro do esporte, e é isso que “AIR: A História Por Trás do Logo” atesta. Com um elenco estelar (algo que infelizmente só se vê em filmes de super-heróis atualmente), o novo filme dirigido por Ben Affleck se assemelha muito ao próprio contexto em que surgiu o Air Jordan: um grupo de mentes especiais trabalhando em prol da criação de algo especial. É o caso tanto do tênis, quanto do filme.
Além de dirigir, Affleck também é uma das estrelas do filme no papel de Phil Knight, CEO da Nike e contraponto essencial ao protagonista da história, Sonny Vaccaro, vivido por Matt Damon. A colaboração entre Affleck e Damon é antiga e já rendeu até Oscar para ambos, e o entrosamento da dupla é nítido na telona. Vaccaro é um olheiro da Nike, buscando atrair novos talentos do basquete para uma marca que, à época, ainda era conhecida majoritariamente por seus calçados de corrida. Vestir Nike não era tão legal quanto é hoje, e são justamente os acontecimentos reais que baseiam o filme que mudaram a forma com que a marca é vista popularmente até hoje. Expandir o departamento de basquete era um desafio, e Vaccaro, aficionado pelo esporte, viu algo nas quadras universitárias que ninguém ainda tinha notado: uma lenda em surgimento, um prodígio chamado Michael Jordan.
A questão é que, à época, Jordan estava mais preocupado em estar na moda do que em ditar a moda, algo natural para um jovem de 21 anos. Não fosse a visão de sua mãe, Deloris, e a calma de seu pai, James, ele nunca teria assinado com a Nike, e o mundo certamente seria bem diferente hoje em dia. Os pais de Jordan são vividos pelo casal real (tanto em termos verídicos, quanto de realeza) Viola Davis e Julius Tennon. A dupla consolida o outro lado das negociações da Nike, mas dispostos a bancar no filho da realização do sonho da empresa e criar um ícone. Davis, como sempre, encanta como Deloris, uma mulher calma e extremamente focada em construir um legado único para seu filho. A inclusão da personagem foi exigência do próprio Michael Jordan, que reconhece na mãe o principal alicerce para a construção de sua lenda desde o início da carreira.
O principal destaque do filme, no entanto, é a leveza com que tantos acontecimentos cruciais para empresas e trajetórias pessoais são retratados. Ainda que os diálogos escritos pelo estreante Alex Convery sejam rápidos e inteligentes, nada no filme ganha contornos dramáticos. Pelo contrário, com um texto à altura da capacidade artística de seu elenco, Affleck consegue imprimir à história uma atmosfera de desafios na qual ambos os lados estão mais que dispostos a encontrar um meio-termo em prol do sucesso conjunto, algo que quase não se vê no cinema. “AIR” não é o primeiro filme sobre marketing esportivo, por exemplo, mas é certamente o único que retrata o campo sob um olhar positivo e inspirador.
O que “AIR” traz aos espectadores não é exatamente um filme sobre esportes ou sobre marketing, nem mesmo um filme sobre Michael Jordan (já que ele próprio aparece muito pouco e apenas de costas) ou sobre a cultura sneakerhead. É um filme sobre buscar e realizar sonhos, com uma história inspiradora. Se até hoje vestimos Air Jodan nos pés, é por conta de toda uma confluência de fatores e pelo esforço de uma equipe que mais parecia uma família, não apenas colegas de trabalho. Contar essa história não seria possível sem um contexto muito semelhante atrás das câmeras, e é isso que transparece nas telonas.