Uma série baseada num filme adaptado de um livro. “The Offer” é uma série limitada de dez episódios produzida pela plataforma de streaming Paramount+ que conta a incrível jornada de realização de um dos filmes americanos mais icônicos de todos os tempos, “O Poderoso Chefão” (1972), dirigido por Francis Ford Coppola. Os dramas pessoais do escritor, a pressão da comunidade ítalo-americana e da Máfia contra a obra, os chiliques e demandas do diretor, a inexperiência do produtor, além do fogo amigo dos executivos do estúdio e os causos trágicos e anedóticos em torno do filme compõem uma narrativa múltipla que reconstrói em detalhes o processo de realização deste clássico atemporal.

Criado por Leslie Greif e Michael Tolkin, o roteiro teve a contribuição dos relatos pessoais do próprio Albert S. Ruddy, produtor do filme e protagonista da série, interpretado pelo carismático e eficiente Miles Teller (de “Whiplash“). Sua resiliência é o que conecta todos os icônicos e problemáticos personagens e elementos do projeto. Sabendo habilmente contornar a inúmera lista de desafios que se apresentam, Ruddy vinha de uma carreira na área de TI quando teve a ideia para uma sitcom militar. Depois de vender e lançar sua primeira série em Hollywood com relativo sucesso, cruza com um livro sobre a Máfia que começava a causar burburinho e despontar como um best-seller nas prateleiras de todo o país. Os direitos haviam sido comprados pelos estúdios Paramount, parte da holding Gulf+Western que, em tempos de crise, quase os vendeu para a concorrente MGM. Graças à insistência obsessiva do produtor Robert Evans, que lutava pela sobrevivência da produtora dentro do grupo, a missão de adaptar a obra caiu no colo de Ruddy. Sem experiência, mas ao lado de sua talentosa assistente Bettye McCartt (a ótima Juno Temple), esse desafio quase impossível se transforma num case histórico de produção e distribuição para o audiovisual mundial, reformulando a própria estética do cinema.

A série evidencia que a falta de experiência de Ruddy foi fundamental para que ele agisse de modo intuitivo, reunindo uma equipe improvável, criticada por muitos, mas no fim perfeita para a realização dessa obra-prima. Uma das decisões mais arriscadas do processo foi a contratação do próprio autor para a escrita da adaptação cinematográfica. Quando Puzo assumiu o roteiro, os cabelos dos executivos da Gulf ficaram em pé. Era lugar-comum na indústria que os escritores não podiam adaptar suas próprias obras, pelo risco de preciosismo com o material e atrasos na entrega do texto final (alô George R.R. Martin!). Puzo, vivido por um adorável Patrick Gallo, de fato dá razão a todos estes estereótipos, mas a chegada de um jovem e impetuoso Francis Ford Coppola, recém-saído da premiada roteirização de “Patton: Rebelde ou Herói?“, e a excelente relação entre esses dois glutões descendentes de italianos fez o roteiro ganhar forma.

Ruddy, contudo, não tinha que lidar apenas com as demandas dos executivos da Gulf ou com os desafios da produção de um épico histórico sobre a Máfia. O tema do livro e sua abordagem sobre os ítalo-americanos provocaram comoção entre figuras poderosas da política e dos criminosos, moldando a opinião pública contra o livro por sua suposta representação estereotipada desses imigrantes. Até Frank Sinatra se levantou contra a obra, por ver-se retratado no personagem de Johnny Fontane, um cantor inseguro que pede favores ao Padrinho para ganhar espaço nas paradas. Entre todas as figuras contrárias, destaca-se Joe Colombo, chefe de uma família mafiosa e fundador da poderosa Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis. Quando o livro de Puzo começou a figurar em primeiro lugar na lista dos mais vendidos, ele articulou uma das mais fortes campanhas para desestimular sua adaptação cinematográfica, que incluiu ameaças e atentados à vida dos envolvidos na produção. Foi apenas ao conhecer Ruddy pessoalmente que Colombo mudou de ideia, estabelecendo com o produtor uma relação de amizade que perduraria ao longo da vida.

Nesse sentido, a “oferta” do título, que nos remete diretamente à icônica fala de Don Corleone no filme sobre “fazer uma oferta que não se pode recusar”, ganha, no destaque dado à relação entre Colombo e Ruddy pela série, uma nova camada de significado. A oferta é de uma amizade improvável, mas fundamental para o interesse de ambos. Para o filme, ela demandou de Ruddy uma relação direta e polêmica com a Máfia, inserindo até alguns membros da família Colombo na folha de pagamento do projeto e outros como figurantes no próprio filme. Para os objetivos políticos de Colombo, o prestígio da Paramount ajudava a valorizar sua recém formada Liga.

O elenco de “The Offer” é um ponto forte nesse projeto cheio de qualidades. A reunião de talentos como Miles no papel de Ruddy, Giovani Ribsi como Colombo, além da escalação de Dan Fogler como Coppola (mesmo que baixinho para o papel) e outros secundários marcantes criam a imersão necessária para nos transpor aos bastidores do filme. Matthew Goode, que já havia brilhado como Ozymandias no filme de “Watchmen” (2009), novamente se sobressai ao dar vida a um conturbado Robert Evans, produtor icônico nos anos 70, cheio de dramas amorosos, vícios e compulsões. Até mesmo na quase impossível escolha de um ator para interpretar Marlon Brando a série acertou: o improvável Justin Chambers, eterno Dr. Karev de “Greys Anatomy“, assume o tom vocal e movimentos lentos que emanam algo da aura do inesquecível ator.

Em uma cena particularmente inspirada, quando todo o elenco está finalmente reunido em um jantar promovido por Coppola e Ruddy, somos convidados a sentar à mesa e testemunhar o nascimento desses personagens icônicos. Os atores que interpretam Al Pacino (Anthony Ippolitto), Diane Keaton (Maya Butler), Robert Duvall (Derek Magyar), James Caan (Damian Conrad-David) e outros fazem nascer diante dos olhos orgulhosos e embasbacados de Coppola (e, por conseguinte, dos nossos) essa inesquecível família que até hoje exerce influência no audiovisual e na cultura pop mundiais. Na comemoração dos 50 anos do filme, o Paramount+ não poderia ter oferecido homenagem melhor à sua obra-mestra.

Pelo primor da reconstituição histórica e qualidade de uma narrativa de bastidores, a única pena é que “The Offer” seja uma série limitada de apenas uma temporada, sem perspectivas de continuação. Se você ama o cinema, ao final fica o inevitável gosto de quero mais e a série indica claros caminhos de continuidade, se não abordando os outros filmes da saga Corleone, pelo menos indo para outras obras produzidas naquele mesmo contexto dos anos 70 e que firmaram o que hoje conhecemos como a “Nova Hollywood”. Um período ricamente descrito no livro “Como a geração do sexo, drogas e rock’n’roll salvou Hollywood“, de Peter Biskind, onde diretores como Warren Beatty (com “Bonnie e Clyde“), Denis Hopper (com “Sem Destino“), Martin Scorsese (com “Taxi Driver”), Roman Polaski (com “Chinatown“), entre outros, revolucionaram a produção cinematográfica de Hollywood, tirando das mãos de executivos como os da Gulf+Western o domínio sobre conteúdo e estilo dos projetos. “Chinatown“, o clássico noir de Polanski, chega a aparecer na série quando o roteiro cai nas mãos de Robert Evans. Esse é meu único protesto contra essa produção impecável, mas que poderia ter sido feita no formato antologia, abordando em cada temporada os bastidores da realização de um filme icônico desse período. Fica o sonho, ao menos parcialmente satisfeito por terem feito de forma primorosa uma obra definitiva para vermos por trás das câmeras de um dos maiores filmes de todos os tempos.