Em sua temporada mais fraca, série aposta em temática repetitiva e falha no arco de Charles e Diana, não fazendo jus à princesa do povo, e se estendendo ao longo de dez episódios que não trazem o mesmo brilho de sempre.
Dois anos depois da quarta temporada, “The Crown” retorna à Netflix, nesta que é sua primeira a estrear desde a morte da rainha Elizabeth II, a monarca mais longeva da Coroa Britânica. Para os pouco interessados ou distantes do conceito de realeza no mundo moderno, é inevitável pensar na obra como uma espécie de enciclopédia, mesmo que a produção não se proponha a isso. A dramatização, sempre tão bem escrita, dirigida e atuada, tem se disposto a oferecer uma visão sutilmente parcial dos acontecimentos históricos, de forma a permitir que o público se relacione com os personagens como de fato representações de pessoas reais, e não as próprias. No entanto, nesta quinta temporada, a penúltima da série, a mensagem acaba sendo nada sutil: a rainha é antiquada, e assim como ela, a Coroa. O público não precisa mais de tal símbolo. O que restará para Charles?
Já finalizada antes do falecimento da rainha em 8 de setembro, o novo ano posiciona a monarca como a figura impassível que viemos a conhecer não só na obra, mas também no mundo real. Porém, a interpretação de Imelda Staunton — estreando no papel, com a mais recente e última troca de atores — oferece uma qualidade emocional à personagem que não se via desde os dias de Claire Foy, nas duas primeiras temporadas. Aquela que foi premiada por seu trabalho inesquecível como Elizabeth acabou se tornando um referencial tão constante que nem mesmo a série quer deixar para trás, mas Staunton traz talvez a maior semelhança à imagem da soberana que jovens como a que os escreve tem gravados na mente: alguém impossível de desassociar do próprio Reino Unido, e portanto, alguém que de certa forma nunca deixará de existir como o símbolo da Coroa. A atriz oferece o inquestionável ponto alto dos novos episódios no quesito atuação, e isso mesmo sem considerar a notável falta de brilho de seus companheiros de elenco em papéis que antecessores interpretaram tão bem.
A quarta temporada deu início ao arco de Charles e Diana de forma tão primorosa que seria difícil continuar no mesmo patamar de qualidade, mas é um tanto desapontador o quanto Dominic West e Elizabeth Debicki não conseguem se igualar a Josh O’Connor e Emma Corrin nos papéis do príncipe e princesa de Gales, e talvez a culpa nem caia sobre os próprios méritos de atuação da nova dupla. Por uma escrita pouco inspirada do roteirista e criador da série, Peter Morgan, a Guerra dos Galeses se arrasta ao longo de capítulos monótonos e sem o propósito de grandeza que “The Crown” sempre fez tão bem em trazer até aos mais superficiais embates. Não que o drama de Charles e Diana não tenha sido relevante para a História — principalmente frente à mudança de percepção do público quanto à monarquia —, mas o novo ano falha em retratar, ou até mesmo simular, o impacto irreversível que a separação do casal teria na família, e no “sistema”.
É possível imaginar como temporadas anteriores lidariam com o tema. A criação de William e Harry teria algum paralelo com a criação de Charles, já tão bem retratada previamente, e o sofrimento das crianças seria mais diretamente relacionado à incapacidade de seus pais serem emocionalmente maduros. A participação de Camilla Parker Bowles (Olivia Williams) no “casamento de três pessoas” poderia ser mais explorada a fim de dar uma chance de empatia à personagem. E o eventual divórcio seria tão central à trama, que quando finalmente acontecesse, o peso emocional não poderia ser ignorado. Mas mesmo que a jornada até chegar nos últimos momentos da relação entre Charles e Diana não cause grandes emoções, o episódio 9, Casal 31, é um final acertado. Nele, o divórcio dos dois é comparado a outros tantos que acontecem diariamente no país, e o intimismo da situação consegue alcançar em cheio o espectador.
Separadamente, Diana tem seu próprio arco, que culmina na famosa entrevista da BBC, evento cujas consequências ainda se desenrolam até os dias de hoje, mas que mesmo narrativamente interessante e parte importante da história, faz parecer que a personagem está sendo influenciada a tomar aquelas decisões, restando pouca agência para si própria. Seu sofrimento é bastante enfatizado — o olhar de Debicki é carregado de melancolia —, contudo pouco se mostra sobre momentos que refletiam a vontade da princesa de ser a “rainha no coração do povo”. Quanto a Charles, todo seu propósito é ser um contraponto moderno para o ideal antiquado que sua mãe representa, com conversas sobre a possível abdicação da soberana sendo trazidas à tona não só com um, mas dois primeiros-ministros. Incessantemente, a temporada reforça como a monarquia precisa ser reestruturada para que Charles ainda tenha um trono para sentar, porém o que poderia formar arcos episódicos intrigantes, acaba tornando-se apenas uma repetição cansativa.
Quanto a personagens secundários, Jonathan Pryce continua o legado deixado pelos seus antecessores ao interpretar um Philip pouco amável, embora a temporada tenha tentado reverter isso com uma subtrama enfadonha e felizmente descartada com o tempo. A princesa Margaret de Lesley Manville está bem apagada, com apenas um capítulo dando destaque para a personagem que outrora atraía mais atenção do que a própria rainha. Há também sugestões de trazer outros filhos de Elizabeth como peças relevantes, mas não vão à frente. No entanto, somos satisfatoriamente apresentados aos Al-Fayed, posicionando-os para maior importância no vindouro finale da série. Vale mencionar o episódio 3, Mou Mou, que traz o paralelo do rei que abdicou com o jovem egípcio que faz de tudo para que a alta sociedade britânica o aceite. Há também o chocante episódio 6, Casa Ipatiev, que retorna ao momento da execução da família imperial Romanov durante a revolução bolchevique, expondo a frieza inerente ao dever do trono britânico, ao mesmo tempo em que retrata Elizabeth em um de seus momentos mais vulneráveis.
A quinta temporada de “The Crown” é, sem dúvidas, a mais fraca da produção. O tema condutor se faz totalmente claro, com Morgan sendo enfático em sua mensagem de uma monarquia em queda livre. Mas ao relacionar esse ponto com escândalos matrimoniais, a ideia passada é de que Charles e, principalmente, Diana foram os maiores responsáveis por manchar o forte símbolo da Coroa, quando, na verdade, este é apenas parte de um conceito ultrapassado de sistema. No entanto, Morgan não falha totalmente em dizer isso com outras palavras, pois é com a imagem do iate real Britannia que o roteirista ilustra o custo de se manter uma instituição cujo tempo já se foi. Tal conclusão é óbvia em um ano tão direto, mas quando voltamos à figura de Elizabeth — afinal, tudo sempre retorna à ela —, é difícil não ter uma certa simpatia pela soberana que a série construiu. Nos dias em antecipação ao lançamento da nova temporada, algumas pessoas notáveis, como a atriz Judi Dench, exigiram que a Netflix colocasse antes dos episódios um aviso de que a obra se trata de ficção, uma dramatização, e não uma fiel retratação de eventos reais, como se não tê-lo fosse prejudicial à imagem da Coroa. Porém, o que “The Crown” mais trouxe para a Família Real foi interesse e relevância, mesmo que superficial. Assim como Elizabeth olha para o defasado Britannia com nostalgia, olhamos para Elizabeth com a certeza de que vivemos História.