Compositor Michael Giacchino, já veterano em trilhas sonoras da Marvel, faz sua estreia na direção de um projeto de estúdio, mostrando um talento promissor em uma história cheia de charme.
Algumas pessoas nascem com uma criatividade acima do comum e desde cedo colocam isso em prática o máximo possível, seja criando histórias com bonecos, gravando filmes caseiros com os irmãos ou primos, ou simplesmente devaneando e imaginando mundos fantásticos em vez de prestarem atenção na aula. Quando crescem e se juntam a mentes que funcionam da mesma forma, cada conversa se torna uma oportunidade de jogar ideias no ar e ver o que cola. Mas o que acontece quando uma dessas mentes é a de Kevin Feige, o homem por trás do estúdio mais popular do momento? Foi assim, em uma conversa entre amigos, que Michael Giacchino propôs (e então conseguiu) adaptar “Lobisomem na Noite” como uma Apresentação Especial da Marvel para o Disney Plus.
Giacchino, compositor renomado e oscarizado, não é nenhum novato do estúdio, com “Doutor Estranho”, a trilogia do Homem-Aranha de Tom Holland, e “Thor: Amor e Trovão” tendo trilhas de sua autoria. Não só isso, o próprio tema que acompanha o logo de abertura da Marvel desde 2016, e se tornou tão icônico nos filmes (e agora séries) também é seu. Como alguém que compõe com uma visão de cineasta, era questão de tempo ele assumir a direção. Já responsável por dois curtas, Giacchino estreia aqui em um projeto de maior escala, ainda não um longa-metragem, mas algo robusto o suficiente para deixar claro que seu talento não está apenas em trilhas sonoras. Então, o que é essa Apresentação Especial?
Utilizando do espaço que o streaming da Disney oferece para produções de menor risco — e assim, maior liberdade criativa —, o especial de pouco menos de 1h traz o protagonista Jack Russell (Gael García Bernal) como um dos caçadores de monstros que se reúnem para honrar o recém-falecido líder do grupo, Ulysses Bloodstone. A eles é dada a chance de colocar as mãos em uma valiosa relíquia, caso consigam matar a aterrorizante criatura que os espera do lado de fora. O que eles não sabem é que entre eles se esconde um outro monstro, ainda mais perigoso.
Partindo desta premissa, e em preto e branco, o especial traz forte influência dos filmes de terror dos anos 1930 e 40, assim como dos clássicos de monstros, com uma atmosfera mais sinistra do que estamos acostumados no Marvel Studios. Porém, a história tem sua origem nos quadrinhos da editora, com a série “Werewolf by Night” de 1972 sendo a responsável por apresentar Jack Russell. Foi nessa série, inclusive, que o próprio Cavaleiro da Lua foi introduzido, e é interessante fazer essa ligação porque a adaptação estrelada por Oscar Isaac e exibida há alguns meses no Disney Plus sempre esteve em seu melhor quando apostou no místico e sombrio — e também no mais violento. Ao ser em preto e branco, “Lobisomem na Noite” conta com uma leve trapaça ao poder usar sangue mais livremente, algo que aproveita bem, no bom espírito de Halloween.
Mas o Cavaleiro da Lua aparece aqui? Não. Há outras aparições notáveis em cenas pós-créditos? Não. Há relação com o restante do MCU? Certamente está inserido, mas nada preocupado com onde ou quando, ou o que vem depois. Isso é um alívio, mas também não quer dizer que este especial marque a última vez que vemos tais personagens — espero que não. Quando não está tão focada com as sementes do futuro, a Marvel no Disney Plus realmente abre um grande espaço para criatividade e boas histórias. E em tão pouco tempo, o espontâneo e divertido Jack já fica marcado no coração, assim como Elsa Bloodstone (Laura Donnelly), a filha do líder Ulysses, alguém que tenta encontrar seu lugar no mundo depois de crescer além das expectativas de seu pai. Harriet Sansom Harris também dá um show como a madrasta de Elsa, sendo talvez a personagem que mais se encaixa com as obras em que o especial se inspirou.
A trilha sonora, assinada por Giacchino, segue o mesmo caminho de referenciar os clássicos, sem ignorar o estilo mais moderno do compositor, com um tema logo ficando na cabeça ao final do especial. Como diretor, Giacchino também aposta em referências estéticas que fãs desta época do cinema não deixarão de apreciar, ao mesmo tempo que aproveita os benefícios da tecnologia mais recente, criando um estilo bem charmoso. É inevitável lembrar de “WandaVision” por ter sido a primeira vez que a Marvel fez algo tão diferente para seus padrões, e apesar de não ser igualmente “revolucionário”, “Lobisomem na Noite” nos faz pensar sobre quão longe o estúdio estaria disposto a ir agora que começa a explorar personagens mais sinistros…
Se a Marvel irá favorecer mais o formato de Apresentação Especial, enquanto vai deixando de lado as cansativas séries, só o tempo dirá. Mas esta primeira tentativa é um claro acerto, mostrando que uma história, ainda que mais curta, consegue ser bem-sucedida se estiver focada apenas em si própria. Para além das ramificações do MCU, é notável como Michael Giacchino parece ter encontrado o playground perfeito para deixar sua mente criativa à solta, e quem conhece mais a fundo seu trabalho, não consegue esconder a empolgação com a possibilidade de ter mais de sua direção.
Como compositor, ele já tem Pixar, Star Wars, Star Trek, Marvel, e DC. Em cada um desses universos, Giacchino foi aprendendo mais e mais de seus cineastas parceiros e amigos, como J.J. Abrams, Matt Reeves e Brad Bird, este que está mencionado nos agradecimentos especiais de “Lobisomem na Noite”. Também lá está seu irmão, Anthony Giacchino, provavelmente a primeira mente criativa com quem Michael teve a chance de imaginar mundos fantásticos. Para um especial de Halloween, esta acaba sendo uma obra bem mais tocante do que o esperado. Mas pensando melhor, esse é o grande trunfo das melhores histórias de Halloween: a beleza por trás dos monstros.
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“Lobisomem na Noite” estreia nesta sexta-feira, 7, no Disney Plus.