Thriller de Alex Garland e estrelado por Jessie Buckley e Rory Kinnear, longa é uma alegoria visceral dos abusos que as mulheres sofrem cotidianamente.
Parte do que torna a filmografia de Alex Garland tão instigante é sua proeminente virtude de não subestimar a inteligência do público, promovendo discussões que perduram muito além dos créditos finais. Assim, em seu filme mais recente, “Men: Faces do Medo”, o cineasta opta por revisitar dilemas de obras anteriores, como as relações abusivas vistas em “Ex_Machina: Instinto Artificial”, e as sequelas do luto retratadas em “Aniquilação”, mas desta vez elevando o tom à enésima potência.
O enredo segue a jornada de Harper (Jessie Buckley) que, após uma tragédia pessoal, viaja sozinha para uma bela casa de campo no interior da Inglaterra, na esperança de encontrar um lugar para se recuperar. Mas alguém ou algo da floresta ao redor parece estar perseguindo ela. O que começa como um pavor latente se torna um completo pesadelo habitado por suas memórias e medos mais sombrios.
Tendo escrito e dirigido este novo expoente do terror folclórico, Garland demonstra total domínio da narrativa, estabelecendo inicialmente uma atmosfera contemplativa ambientada em uma belíssima paisagem bucólica, sob o olhar atento do diretor de fotografia Rob Hardy (da minissérie “Devs”), e, logo em seguida, rompendo abruptamente o tom pré-estabelecido, de modo a gerar estranheza e desorientação. Dessa forma, à medida que a trama avança, o roteiro abandona gradativamente as convenções do gênero para abordar de forma alegórica a influência do patriarcado na sociedade, a partir do trauma da protagonista e da imensa culpa que ela carrega.
Como de costume, Jessie Buckley entrega uma performance nada menos que memorável, repleta de nuances e sutilezas que ajudam a tornar sua personagem crível mesmo diante de eventos surreais. Rory Kinnear, por outro lado, tem a tarefa hercúlea de personificar diferentes tipos de masculinidade: o anfitrião Geoffrey, que instintivamente adota uma postura paternalista e protetora; o religioso moralista que não pensa duas vezes antes de culpar a vítima; um jovem que ofende mulheres por diversão; um policial que faz pouco caso de uma denúncia de assédio; entre outros estereótipos masculinos extremamente caricatos e unidimensionais.
E, de fato, embora à primeira vista pareça que a obra sugere que os homens são todos iguais, os inúmeros personagens interpretados por Kinnear são meramente uma alegoria da masculinidade tóxica presente em diferentes esferas da sociedade patriarcal. Como se Harper inconscientemente, em seu processo de luto, tivesse que confrontar a figura opressora com a qual teve que lidar toda a sua vida para finalmente superar seu trauma e seguir em frente. Em outras palavras, a história busca representar um conflito interno motivado pela herança do patriarcado, capaz de dilacerar até mesmo homens cujas expectativas não correspondem à realidade.
Para não cometer o erro de soar reducionista, é preciso ressaltar a quantidade absurda de referências de cunho religioso e folclórico a perder de vista. Da maçã mordida por Harper sem o consentimento de Geoffrey — bem como Eva provando o fruto proibido no Jardim do Éden —, à escultura do Homem Verde, interpretada como um símbolo de renascimento. Além de tantos outros relacionados ao homem e à natureza, dor e prazer, vida e morte.
“Men: Faces do Medo” é definitivamente uma experiência única, desafiadora e visceral. Portanto, não é recomendado para quem procura respostas em vez de perguntas e evita gatilhos emocionais. Embora muitos possam torcer o nariz para sua narrativa um tanto abstrata e absurda, no final acaba soando como um grito preso na garganta de tantas mulheres há muito silenciadas pela mesma sociedade patriarcal que se cala diante do verdadeiro absurdo presentes em nosso cotidiano.