Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Treze Vidas — O Resgate (Prime Video, 2022): heróis de verdade

Drama baseado em uma história real inspira o melhor da humanidade diante de desafios impossíveis.

O premiado diretor Ron Howard, de “Uma Mente Brilhante” (2001) e “O Código Da Vinci” (2006), chega aos streaming com um poderoso drama baseado em fatos reais. “Treze Vidas — O Resgate“, disponível no Prime Video, acompanha com rigor quase documental os dramáticos dezoito dias de resgate de treze jovens presos numa caverna alagada na Tailândia, e tem tudo para se tornar um dos filmes a serem lembrados na próxima temporada de premiações.

O longa é protagonizado por Viggo Mortensen e Colin Farrell como os dois mergulhadores ingleses responsáveis por localizarem as crianças dentro da caverna e depois planejarem o ousado plano de resgate dos jovens. A dupla funciona exemplarmente como guia dessa odisseia angustiante com complexas cenas subaquáticas que deixarão até mesmo o entusiasta da vida marítima James Cameron com falta de ar. O drama começa quando doze amigos de um time de futebol decidem ir, junto com um de seus treinadores, à caverna Tham Luang, em Chiang Rai, norte da Tailândia. Era aniversário de um deles e a festa estava sendo preparada, porém, quando escurece e a chuva começa, os pais estranham o atraso dos garotos. Alguém logo avisa que eles podem estar presos na caverna. Ao chegarem em Tham Luang, eles encontram as bicicletas dos seus filhos na entrada e uma caverna já completamente submersa.

A política entra em cena através da figura do governador Narongsak (interpretador por Sahajak Boonthanakit), liderando uma complexa estrutura de poderes civil e militar que se combinam na tentativa de resgate sob a forte chuva das monções do Pacífico. Os locais logo percebem que o desafio é maior do que estariam preparados, mesmo a Tailândia contendo inúmeras cavernas e uma sabedoria ancestral em explorá-las. Logo, através da divulgação da imprensa, profissionais do mundo todo se envolvem no esforço em localizá-los. À época, até mesmo o bilionário Elon Musk deu seus pitacos sobre como resgatar os meninos, com uma ideia que posteriormente mostrou-se ridícula.

Por meio da sugestão de um inglês morador da região, que trabalhava mapeando cavernas na Tailândia, os mergulhadores de caverna Rick Stanton (Mortensen) e John Volanthen (Farrell) são chamados para colaborar com o resgate. Contra todas as expectativas locais, eles são os primeiros a conseguirem atravessar quase 3 km de águas lamacentas, com visibilidade zero por corredores estreitos, e encontrarem os treze meninos vivos após dez dias dentro do ventre da caverna.

Ventre porque essa história, por mais documental e linear como é contada, também contém subcamadas simbólicas que adicionam a ela um subtexto místico — e espiritual, até. Isso porque Tham Luang é nomeada a partir de uma deusa budista, cuja estátua fica na boca da caverna. Sua figura é retratada deitada e a montanha que contém a gruta é vista por muitos como tendo a forma dessa deusa. Nesse sentido, numa extrapolação feita pelo filme, podemos considerar que os meninos estavam presos nas estranhas da deusa, como se uma vez entrado tivessem que pedir a autorização da divindade para sair. Não à toa, santidades budistas foram chamadas ao local e realizaram cerimônias pedindo para que os meninos fossem libertos.

A história é fenomenal por si só, mas a forma exemplar como é conduzida pelo experiente Ron Howard faz com que essa seja uma experiência cinematográfica incrível, sufocante, que reverbera para além da projeção. Assistir a “Treze Vidas — O Resgate” à noite é capaz de fazer horas de sono serem perdidas ao deitar, com a mente ainda pensando nesta história perturbadora da vida real. A escolha de produção de ser inclusiva com a equipe local, não apenas no elenco, mas também a equipe técnica, como o fotógrafo Sayombhu Mukdeeprom, é acertada para tempos de diversidade no audiovisual, e garantem mais verossimilhança à história.

O mundo acompanhou esse caso, ocorrido em junho de 2018, e ao todo 5 mil voluntários estiveram envolvidos no resgate. Campos de arroz foram encharcados e a colheita perdida na tentativa de desviar a água das chuvas incessantes que caíam sobre a montanha. Dois militares tailandeses morreram no resgate. “Treze Vidas — O Resgate” mostra essa história deslumbrante de colaboração e persistência, que fica agora eternizada num projeto incrível, uma surpresa no catálogo do streaming da Amazon que merece ser visto para inspirar mais atos de empatia num mundo tão necessitado de amor.

Vinícius Volcof
@volcof

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