Sétima produção seriada do Marvel Studios mostra que estúdio ainda não entendeu o formato e segue usando de artifícios para conquistar o público.
Em janeiro de 2021, a Marvel lançou “WandaVision”, primeira série totalmente integrada ao MCU e sob a batuta de Kevin Feige. Um ano e meio e algumas produções seriadas depois, só há um consenso: o estúdio mostra ainda ser incapaz de contar uma narrativa coesa no formato episódico. Isso dava sinais que finalmente iria mudar com a chegada de “Ms. Marvel”, mas o resultado final apenas comprovou — mais uma vez — o estigma da empresa.
Os capítulos iniciais da série, em especial o primeiro, representam perfeitamente o frescor e o espírito inovador necessários para quebrar de vez com a fórmula de filme dividido em episódios que a Marvel conseguiu saturar antes mesmo que rendesse algum sucesso. Ao invés de um primeiro ato puramente introdutório, a dupla de diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah conferiu um ritmo pulsante por se tratar de um público-alvo mais jovem, ao mesmo tempo em que tiveram toda a paciência do mundo para encher a tela com um poço de carisma chamado Iman Vellani, uma escolha mais do que acertada para o papel de Kamala Khan.
Sem entrar no mérito das comparações com os quadrinhos, a atriz une a euforia necessária de uma jovem fã de super-heróis que vê seu sonho de ser inserida nesse universo se tornar realidade, ao mesmo tempo em que traz toda a carga da cultura muçulmana sem as idiossincrasias hollywoodianas. Não por acaso, nos dois primeiros episódios, temos pouquíssimas sequências em que a personagem usa seus poderes. E a melhor parte é que isso nem importa, porque o magnetismo da protagonista, as situações típicas de adolescentes — brilhantemente traduzidas de forma visual — e as interações de Kamala com a própria família e a comunidade paquistanesa de Nova Jersey são mais do que suficientes para prender a nossa atenção.
Porém, é da Marvel que estamos falando, não é? Sendo incapaz de manter uma narrativa contida, não demora muito para que a trama (sobretudo nos capítulos 4 e 5, estes dirigidos por Sharmeen Obaid-Chinoy) ganhe novos personagens com backgrounds obscuros e ares megalomaníacos de “precisamos salvar o mundo”. Aquele universo quase perfeito apresentado no início agora é poluído por Djins, Clandestinos, Adagas Vermelhas, outras dimensões… E o esforço para tirar o brilho da série é tamanho que o roteiro (escrito a muitas mãos, mas sob a chefia de Bisha K. Ali) consegue sumir com a personagem principal por quase um episódio inteiro! E por mais importante que seja mostrar a terra dos ascendentes de Kamala, no fim a viagem sequer acrescenta algo recompensador o bastante para justificar tanto tempo gasto. Ora, se seis capítulos são pouco para contar a história, por que essa insistência em desviar da trama principal colocando mais antagonistas, mais personagens secundários e mais subtramas?
Felizmente, a dupla Adil & Bilall retorna para dirigir o episódio final, e é visível o quanto “Ms. Marvel” cresce não necessariamente por estar nas mãos deles, mas porque eles sabem o que, de fato, importa e merece ser mostrado. O Departamento de Controle de Danos prova por si só que seria um vilão com peso o bastante para sustentar ao menos esta primeira temporada, e toda a trama envolvendo os Clandestinos poderia ser trocada por mais tempo para Kamala e seus amigos e familiares, resultando em uma personagem muito mais rica em desenvolvimento e pronta para embarcar de vez no MCU. Ainda que algumas decisões do roteiro do último capítulo possam ser criticadas pela bobice excessiva, o fato é que isso resgata o espírito divertido e voltado para o público mais jovem que a série prometeu no início, mas quase não consegue entregar no fim.
Apesar de tudo isso, a Marvel, do alto de sua baixeza, não consegue se livrar dos vícios. A necessidade de conectar todas as narrativas e fazer com que cada produção funcione também como um teaser do que está por vir fez com que o estúdio novamente usasse de seus artifícios característicos e moldasse o sentimento sobre o final de “Ms. Marvel” — e até mesmo sobre a série como um todo — ao seu gosto. Para tal, duas cenas específicas, um arranjo reconhecível, uma palavra aguardada, uma aparição surpresa… e pronto. Chovem comentários exaltando a excelência do season finale da obra, mas não surpreende que os pontos positivos citados sejam sempre os mesmos. Além de ainda não entender o formato seriado (mesmo depois de sete tentativas), o MCU segue deixando a qualidade a desejar e se garantindo em participações especiais e em vender o futuro que nunca chega desde “Vingadores: Ultimato”. Resta saber até quando os espectadores continuarão alimentando esse esquema insustentável.