O diretor e roteirista Taika Waititi retoma a parceria com o astro Chris Hemsworth e faz do novo longa do Deus do Trovão uma ópera espacial rock oitentista bem divertida, embora também possua algumas outras ambições que acabam por ser, ao mesmo tempo, pontos fortes e calcanhares de Aquiles da produção.
Tendo assumido as rédeas da franquia “Thor” em “Thor: Ragnarok”, e dando o tom do personagem para os apoteóticos “Vingadores: Guerra Infinita” e “Vingadores: Ultimato”, o neozelandês Taika Waititi colocou o absurdo em destaque nas aventuras do Viking Espacial. Para isto, o cineasta aproveitou não só o carisma cômico de Chris Hemsworth, ator que vive o herói nos cinemas há onze anos, mas também a verdadeira loucura da mistura de ficção científica com mitologia nórdica que são as HQs que originaram a franquia, criadas por Stan Lee, Jack Kirby e tantos outros desde os anos 1960, com a relativamente recente fase de Jason Aaron nos quadrinhos sendo a maior referência para este “Thor: Amor e Trovão“.
Ao lado de sua co-roteirista Jennifer Kaytin Robinson, Waititi usa essa nova odisseia de Thor para lidar com as consequências de suas últimas batalhas. Após um retorno à forma no seu — breve — tempo com os Guardiões da Galáxia, o Filho de Odin encara o Carniceiro dos Deuses, Gorr (Christan Bale), alguém traído pelos deuses e que resolve eliminar todos os panteões da existência. Thor parte neste novo desafio ao lado de seu amigo Korg (o próprio Waititi), da atual Rei de Asgard, Valquíria (Tessa Thompson), e de sua ex-namorada, Jane Foster (Natalie Portman), que agora porta o antigo e reconstituído martelo de Thor, Mjolnir, e compartilha dos poderes trovejantes e título de seu velho amor, chamando-se agora Poderosa Thor.
Ou seja, a trama tem muita coisa com o que lidar em suas duas horas e pouco de projeção. E é justamente essa ambição de querer lidar com tantos materiais ao mesmo tempo que se torna uma faca de dois gumes para o filme. Thor, Jane e Gorr possuem arcos narrativos próprios (com os de Jane e Gorr sendo particularmente interessantes) que dividem tela com a Rei Valquíria ditando o futuro de Nova Asgard, com as gags típicas de Nova Asgard e com a expansão habitual do Universo Cinematográfico Marvel. É tudo muito bom, mas a narrativa tem dificuldade de equilibrar tudo isso — e a produção ter tido quatro montadores mexendo no longa na ilha de edição não ajudou.
Tais problemas, entretanto, não tiram o brilho do todo. Se há um tema específico para “Amor e Trovão” é a busca dos personagens por conexão e propósito e o que acontece conosco quando os perdemos, sendo justamente isso que incita os conflitos de Thor, Jane e Gorr. Ou seja, ainda que no meio do caos, há um páthos definido aqui, um centro narrativo que norteia a história, mesmo quando em meio a algumas tentativas forçadas de aliviar o clima. No caso do protagonista-título, seu arco já se prolonga desde “Vingadores: Guerra Infinita” e finalmente encontra resolução aqui, com Chris Hemsworth já bastante confortável com o papel, especialmente desde que Taika Waititi o libertou para melhor explorar sua veia cômica.
Ausente do Universo Marvel desde “Thor: O Mundo Sombrio”, com exceção de uma pequena ponta em “Vingadores: Ultimato”, Natalie Portman agora está inserida na ação e longe de ser só a donzela a ser resgatada dos filmes anteriores. Sua Jane Foster tem o melhor plot da trama, com Portman servindo sua competência de sempre nas cenas dramáticas, mas ainda se mostra um tanto desconfortável nos momentos mais leves.
Já Christian Bale tem uma performance interessante como Gorr, aliada à sua entrega habitual, com o vilão tendo uma vibe mais séria, literalmente sugando as cores da tela em suas aparições, às vezes parecendo pertencer a outro filme, mas com a narrativa fazendo essa “estranheza” funcionar a seu favor — ao menos na maior parte do tempo. O pálido adversário não tem o descaramento de Hela ou o charme de Loki, sendo um homem numa missão que ele considera justa, não importando as consequências. Acertadamente, a narrativa não tenta suavizá-lo com humor. Mesmo quando ri, ele passa mais uma impressão mais assustadora do que qualquer outra coisa.
Tessa Thompson acaba sendo, infelizmente, colocada um pouco de escanteio, com sua Valquíria tendo não muito desenvolvimento além de demonstrar um certo tédio quanto a sua posição de Rei e saudades dos campos de batalha. Outra aparição pouco aproveitada é a de Russell Crowe como Zeus. O ator cai na canastrice proposital como a divindade máxima do panteão grego (seu sotaque meio grego/meio italiano foi, certamente, uma escolha… peculiar), surgindo numa trama secundária despropositada no meio do segundo ato. Uma brecha é deixada para uma versão mais séria de Zeus, mas não nessa jornada.
Se há algum atropelo entre trama e montagem, o mesmo não pode ser dito do visual. Bebendo de artistas como Frank Frazetta e Esad Ribic, com toques psicodélicos e uma pitada de memes modernos, o look da produção certamente remete a capas de álbuns de rock oitentistas, um acerto que contribui para o clima geral do filme. Isso porque “Thor: Amor e Trovão” é como um bom disco do Guns n’ Roses. Em meio a canções mais pesadas incríveis e baladas maravilhosas, tem sim uma ou outra música que faz com que o resultado final seja menos que perfeito. Felizmente, a obra está mais para Appetite for Destruction do que para Chinese Democracy.
P.s.: O filme tem duas cenas pós-créditos, ambas relevantes.