Com fraquezas de trama, final da temporada falha com seu vilão, mas continua a provar que a amizade entre os heróis sempre supera tudo, dentro e fora da tela.
A inédita decisão da Netflix de dividir “Stranger Things” em dois volumes pela primeira vez no histórico de exibição da série cobrou seu preço, seja para o bem, ou para o mal. Pouco mais de um mês depois que o público teve a chance de conhecer Vecna (/Henry/One), e de usá-lo para todos os tipos de memes na internet, ele retorna, agora não mais tão assustador ou imponente como antes, e sim como só outro empecilho para a super-heroína da história. E se o incrivelmente carismático Eddie Munson é o Diabo na analogia usada em Hawkins, Eleven seria Deus.
O Volume 2 retoma a partir do momento em que a jovem interpretada por Millie Bobby Brown recupera as memórias sobre o que aconteceu em seu embate contra Henry Creel (Jamie Campbell Bower), revelando que foi ela a responsável por bani-lo para o Mundo Invertido, onde ele estabeleceu seu próprio reinado. Em Hawkins, a trupe liderada por Nancy (Natalia Dyer) trabalha em um plano para derrotar Vecna, e é óbvio que as chances de vitória são muito baixas, mas a confiança de todos no trabalho em equipe é o que vende a ideia, dentro e fora da tela. Esta formação é uma das melhores que a série já apresentou, não apenas por mostrar um grupo eficiente, mas também pelos subgrupos que acabam sendo a alma deste volume final.
Eddie é o grande ímã que uniu todos inicialmente, e é incrível ver como ele tem química com qualquer pessoa. É inevitável se perguntar onde esteve Joseph Quinn este tempo todo, junto a um desejo de parabéns para quem o achou e deu a ele o personagem perfeito para mostrar todo seu magnetismo. É com Dustin (Gaten Matarazzo) que Eddie forma sua dupla oficial, e quando se pensa que para isso Steve (Joe Keery) teria que ficar de lado, o líder do Clube Hellfire prova que ninguém escapa do seu charme. Foram estes dois melhores amigos de Dustin o foco da maior preocupação do público neste intervalo de um mês entre os volumes, e a série conseguiu antecipar isso, colocando todos os “sinais da morte” para ambos e garantindo um suspense angustiante.
O ritmo é um ponto forte nesses episódios finais, depois do lento início da temporada. Os diferentes núcleos agora funcionam em volta de um objetivo em comum, assim, não parecendo tão sem propósito a necessidade de sair de Hawkins. Deixando (um pouco) de lado o estereótipo do usuário de maconha, Argyle (Eduardo Franco) até se mostra como um cara bem legal, e Jonathan (Charlie Heaton) volta a se preocupar com seu irmão. Will (Noah Schnapp) faz Mike (Finn Wolfhard) retornar à sua posição de líder do grupo depois de dizer a ele como realmente se sente (mesmo que disfarçado dos sentimentos de outra pessoa). Junto à Eleven, o grupo de Lenora começa a funcionar. No entanto, as pausas na trama para visitar a Rússia continuam irritantes. Sim, Joyce (Winona Ryder) e Hopper (David Harbour) formam um lindo casal, mas quando a vida de outros queridos personagens estão por um fio, isso não é mais tão relevante. Até porque, toda a ameaça presente neste núcleo nunca oferece perigo real para ninguém, então por que perder tempo nisso?
Hopper consegue seu “momento irado” contra o Demorgogon, mas já passamos por isso antes. E nada conseguiria superar uma das cenas mais icônicas de toda a série, com Eddie e seu solo de guitarra em meio a uma chuva de morcegos do mal e uma tempestade de raios. “Metal!“. O fato é que nem a sequência final do último episódio conseguiu um impacto semelhante, mesmo tentando muito em todos os aspectos possíveis. E o problema é claro: não há limites para Eleven?
Sem conseguir usar seus poderes desde o fim da terceira temporada, a jovem precisou passar pelo Projeto Nina para reacendê-los. Obviamente isso foi apenas uma desculpa para que Henry fosse apresentado — um trunfo do Volume 1 —, mas esta conclusão não parece se preocupar com as regras destes poderes, do Mundo Invertido, ou de até onde Eleven, ou Henry podem ir. A cada temporada, a série foi dando um passo em direção a uma ameaça maior, sempre interligadas, e sempre eventualmente derrotadas pela protagonista. Mas agora, com o aparente chefão final, que em tese seria mais poderoso ou experiente, Eleven devia encontrar seu verdadeiro antagonista. Mas o Deus ex machina inerente à sua existência parece impedir que isso aconteça. Ela até perde de certa forma, sim, mas o plot armor que deveria ter sido destruído, foi apenas danificado, dando uma estranha sensação de anticlímax. Há também de se perguntar se esse mês de espera entre uma temporada quase inteira e seu finale teve algum efeito nisso.
Comprometa-se ou não. Apresente um vilão realmente assustador e poderoso e faça os heróis sofrerem de verdade, ou não. Mate tal personagem de verdade, ou não. Lance sua temporada completa toda de uma vez, ou não. O meio termo é frustrante, principalmente ao saber que a espera para a quinta e última temporada só está começando, e o conflito final foi apenas adiado para este eventual reencontro com nossos protagonistas.
A falta de comprometimento também afeta aquele que uma vez foi o centro da série: Will. O Volume 2 entrega mais de suas preocupações, mas sempre apenas no subtexto, e nunca diretamente. Se isso continuar dessa forma, será não só um erro, mas um enorme desperdício do potencial que o personagem apresenta, agora que sabemos quem é o grande vilão. Foi realmente apenas uma coincidência que Will foi a criança a desaparecer no início da série? Ou teria sido ele a presa perfeita para Vecna? A quinta temporada deve muito ao personagem, e fica a esperança de que irá entregar.
O Volume 1 funciona melhor, mas se for visto apenas como uma escalada para o evento que seria o Volume 2, a temporada fica aquém das expectativas. Contudo, ao analisar a obra como um todo, o coração vence. Desde o início, a série é mestra em formar relações inquebráveis entre os personagens e com o público, e isso fala mais alto. Mesmo em meio a tropeços e a preocupações sobre o futuro, “Stranger Things” não é um fenômeno à toa. Sempre vão existir aqueles que apontam todas as referências que a obra faz como o grande motivo de seu sucesso, de certa forma chateados que jovens de hoje nunca assistiram “Os Goonies”, por exemplo. É o que vimos com a Running Up That Hill, que subiu ao topo dos charts musicais, apresentando Kate Bush a toda uma nova geração, tudo por conta do excelente uso da música que a temporada fez. “Como é possível que vocês não conheçam Kate Bush?”. Mas, assim como vários conheceram a canção pelo cover da banda Placebo, da mesma forma muitos estão conhecendo os anos 80, e suas várias referências, através de “Stranger Things”. No fim das contas, a lição é a mesma: nada supera a força de um grupo de amigos, e seu coração.