Principal lançamento original do Star Plus, série aposta na mistura entre mistério e humor para entregar um produto muito agradável.
Misturar gêneros narrativos costuma ser uma missão complicada, mas capaz de render excelentes frutos quando bem executada. Exemplo recente é “Parasita” (2019), consagrado como o primeiro longa não falado em língua inglesa a vencer o Oscar de Melhor Filme, que transita entre o drama, a comédia, o mistério e o humor ácido de forma muito natural, proporcionando uma experiência incrível, difícil até de descrever. “Only Murders in the Building“ aposta nessa estratégia, e embora seu brilho oscile entre certos momentos, acaba entregando um produto final bastante satisfatório.
A série, para muitos o carro-chefe dos conteúdos originais do streaming Star Plus, foca no fictício prédio nova-iorquino Arconia e em seus moradores, em especial um trio improvável de fãs de podcasts sobre crimes reais, formado pelos velhos solitários Charles (Steve Martin) e Oliver (Martin Short), e a misteriosa Mabel (Selena Gomez). Os três se juntam após um outro morador do edifício, Tim Kono (Julian Cihi), aparecer morto em condições suspeitas, e decidem efetuar juntos sua própria investigação, registrando tudo em um podcast próprio.
Apesar da sinopse parecer sombria, “Only Murders in the Building” aposta na leveza em todos os sentidos, a começar pelo elenco: Steve Martin e Martin Short são veteranos da comédia, tendo inclusive atuado juntos algumas vezes, enquanto Selena Gomez, apesar da carreira consolidada como cantora, ganhou notoriedade pela primeira vez na série “Os Feiticeiros de Waverly Place”, da Disney. E o roteiro ganha muitos pontos ao valorizar o melhor das características de cada um, mostrando Mabel como uma jovem não muito bem-humorada, que ganha boa parte da comédia ácida e irônica do texto, à medida que Charles e Oliver são responsáveis por trazer o humor mais físico, quase flertando com o pastelão, além de resgatar os anos de ouro da carreira de ambos.
Não é difícil comprar a premissa da obra, que traz episódios curtos (por volta de 30 minutos de duração), com a investigação funcionando como fio condutor e sendo responsável pelos ganchos deixados nos finais de cada capítulo. Se por um lado é quase impossível não querer saber o que acontecerá a seguir, por outro é ainda mais difícil não se afeiçoar aos protagonistas. Seja na calmaria das conversas em seus apartamentos ou nas invasões de domicílios malucas e perseguições inesperadas, a dinâmica entre os personagens é encantadora. Mabel faz um contraponto não apenas no tipo de humor, mas pela sua própria mentalidade jovem, o que a torna determinada e com o pensamento ágil, e mesmo sendo o exato oposto dos mais velhos, ela cria um vínculo de cuidado e afeto fácil de se identificar.
Enquanto isso, Charles e Oliver esbanjam suas diferenças, mas a solidão de ambos os faz ficarem presos ao passado. O primeiro é um ator de um único papel com alguma relevância na televisão, enquanto o segundo é um diretor com relativo sucesso no teatro, mas que afundou após um espetáculo fracassado — e um terrível acidente. A paixão pelos podcasts de true crime pode até ser uma desculpa fraca para uni-los a uma pessoa até então desconhecida, mas embarcar em uma investigação e elaborar algo sobre o tema que tanto amam é a fonte da juventude que ambos precisavam. Oliver rapidamente toma a frente da produção, trazendo todos os seus maneirismos de diretor em busca da tão sonhada redenção e retorno ao sucesso. Já Charles, uma pessoa muito difícil de conviver, acaba recuperando a confiança que talvez nunca tenha tido, mas sem esquecer de cuidar dos que o ajudaram a superar o isolamento.
Embora não só a reunião improvável dos protagonistas seja considerada ilógica (narrativamente falando), “Only Murders in the Building” constrói uma atmosfera única capaz de algo que só obras de qualidade conseguem: fisgar a atenção do espectador a ponto de transportá-lo para aquele universo. Dessa forma, eventos absurdos e suspensões de descrença acontecem muito mais naturalmente, e as situações totalmente fora da realidade em que os personagens se metem, as piadas mórbidas e as bobagens de alguém que certamente não sabe o que está fazendo, acabam por não incomodar o público, mas sim contribuir com a estética “fantasiosa” da história.
Figurino, design de produção e trilha sonora também colaboram bastante com essa atmosfera. Roupas cheias de cores e músicas despretensiosas e muito simplificadas traduzem para os nossos olhos as intenções da série: entreter sem se levar a sério. Porém, essa que é a maior qualidade da obra, também acaba sendo, possivelmente, seu único defeito. Em alguns episódios — sobretudo na metade final —, certos dramas de cada personagem são trazidos à tona, e aquela dinâmica inicial de trazer a leveza e o humor como a parcela principal, e o mistério e a investigação como fios condutores, acaba sendo travada, e por vezes esquecida. Como destacado anteriormente, o drama, a solidão e os demais sentimentos que fazem cada protagonista ser quem é, são importantíssimos para desenvolvê-los e gerar afeição e identificação com o público. Mas em uma série com episódios de 30 minutos, cuja execução já estava tão bem desenhada, fazer esse tipo de desvio acaba trazendo mais consequências negativas do que positivas.
Contudo, essa falha — que, sinceramente, não deve sequer afetar boa parte dos fãs — não é capaz de diminuir o brilho de “Only Murders in the Building”. A série não só mostrou que, para conquistar espectadores, história e personagens cativantes às vezes é mais do que suficiente, como trouxe um frescor tanto nas obras de mistério como na inserção da mídia podcast como algo importante em uma obra audiovisual. O gancho deixado no fim da temporada deixa muitas dúvidas, até mesmo se será possível manter o estilo lúdico tão agradável. Porém, mesmo sem saber o que está por vir, apenas a jornada vista neste primeiro ano já é indescritivelmente marcante.