Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de junho de 2022

O Soldado Que Não Existiu (Netflix, 2022): a história do morto que salvou milhares de vidas

Obra protagonizada por Colin Firth conta a história real de uma operação de guerra que usou um cadáver para induzir os nazistas a uma informação errada.

Nos últimos tempos, Hollywood tem demonstrado interesse em contar histórias de guerra que vão além dos campos de batalha. Recentemente, o drama da Netflix “Munique: No Limite da Guerra” tornou-se um exemplo de que é possível desenvolver narrativas sobre diplomacia e bastidores de forma dinâmica e interessante. Pouco depois, “O Soldado que Não Existiu” surge com outra abordagem, desta vez inspirada em fatos. A obra é protagonizada por Colin Firth, de volta a um filme de guerra após “1917” e “O Discurso do Rei” — com a interpretação do Rei George VI que lhe rendeu o Oscar.

Dirigida por John Madden (“Shakespeare Apaixonado”), a trama baseada no livro de Ben Macintyre se passa em 1943. Enquanto os olhares do mundo se voltavam para os horrores causados por Hitler, os britânicos pensavam em uma maneira de ludibriar os nazistas com a conquista de um território essencial. Winston Churchill (talvez um dos personagens históricos mais retratados no cinema nos últimos dez anos) prometeu aos Estados Unidos que invadiria a Sicília para seguir avançando para o norte da Europa e segurar o anseio do führer.

Entretanto, sabendo desse desejo, a Alemanha direcionou diversas tropas para o local. Assim nasce a Operação Carne Moída, planejada por Ewen Montagu (Colin Firth) e Charles Cholmondeley (Matthew Macfadyen), que consiste em fazer Hitler acreditar que a Grécia seria atacada. A ação aconteceria após o governo obter um corpo de um homem qualquer, vesti-lo como oficial da Marinha e incluir uma pasta com falsos documentos secretos que indicariam uma invasão ao território grego, como se os britânicos tivessem perdido o interesse pela região da Sicília.

O corpo seria encontrado em uma ilha na Espanha, território neutro, e por meio de agentes secretos, a informação chegaria até os ouvidos de Hitler em Berlim. O cadáver escolhido foi de Glyndwr Michael, um homem que morreu após comer veneno de rato, que passou a ser conhecido como major William Martin. A trama não demora para colocar as cartas na mesa. Em pouco menos de 20 minutos, o plano já está explicado, faltando detalhes para a execução. A expectativa criada pelo roteiro de Michelle Ashford (da série “Masters of Sex”) envolve a esperança de que o plano dê certo, deixando a segunda metade da obra para a reação após a realização.

O texto envolve pontos bem positivos e negativos também. É bastante criativa a maneira que Ashford encontra para desenvolver Ewen e Charles – por meio da história criada para o morto, eles criam a figura de Pam, um fictício interesse amoroso do soldado. Com esse envolvimento na concepção dos documentos e cartas falsas, eles demonstram seus sentimentos sobre seus relacionamentos e sobre suas vidas pessoais.

Os maiores problemas, entretanto, são as subtramas que a roteirista não consegue levar adiante, como o inexplicável triângulo amoroso entre a dupla protagonista e Jean (Kelly Macdonald), que passa a fazer parte da equipe. Este arco voltado para o romance parece um trecho recortado de outro filme de tanto que parece deslocado da história principal. Outra subtrama que não é explorada é a busca de Charles para saber se o irmão de Ewen é um espião russo. Com isso tudo perdido, o ritmo fica muito lento, com pelo menos uns 15 minutos de cenas que poderiam ser cortadas.

A ambientação da obra está perfeita, apresentando um lado pouco mostrado no cinema, das pessoas que precisam seguir sua vida independente da constante preocupação do período de guerra. Existem ambientes de música, pessoas dançando, coisas que quase nunca são retratadas, por motivos óbvios, mas que aqui funcionam bem.

Fica um sentimento de que “O Soldado que Não Existiu” poderia ser melhor se não fossem as subtramas que não levam a lugar nenhum. Com uma história espetacular, com um plano que parece até mentira de tão absurdo, é incrível pensar como isso tudo aconteceu de verdade. Um homem morto que salvou milhares de vidas. Quem diria.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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