Longa dos dois esquilos da Disney chegou direto no streaming sem muito alarde durante sua produção, mas já vem conquistando inúmeros fãs com um roteiro sagaz cheio de participações especiais.
No Brasil, é comum quando ocorre aquele “bug” no cérebro e palavras saem trocadas, ouvir algo como “o Tico e o Teco aqui dentro não estão se entendendo”. É uma conotação jocosamente negativa, mas quando ela foi transposta para “Tico e Teco: Defensores da Lei”, rendeu um dos filmes mais divertidos e surpreendentes de 2022. O material promocional já entrega que a obra traz muitas, mas MUITAS referências, participações e alusões a vários personagens da cultura pop. E é impressionante como ou fazem parte da narrativa, ou são tão bem sacadas que carimba um belo sorriso no rosto do espectador.
Entretanto, se o foco fosse apenas esse, não renderia um longa-metragem, e o roteiro sabe muito bem disso. Toda essa brincadeira com propriedades intelectuais da Disney (e de outros estúdios, o que faria um documentário sobre os bastidores desse filme algo impagável) serve para acentuar a trama principal, que gira em torno da dupla do título. Título este que remete ao desenho animado homônimo do início dos anos 90, e numa sacada metalinguística genial, ela existe nesse filme como uma série em que Tico e Teco trabalharam como atores. Melhores amigos desde a escola, ambos conseguiram se lançar ao estrelato, mas quando Teco decide embarcar num projeto solo, a série acaba sendo cancelada e a amizade da dupla estremece, causando um distanciamento entre eles.
Anos depois, quando a trama principal começa de vez, Teco fez uma “cirurgia de conversão para 3D” e agora é um personagem computadorizado, enquanto Tico permanece em 2D. É a primeira de várias cutucadas na indústria que pesadamente julga aparências, mas tudo encaixado no humor proposto, e funciona nos dois aspectos.
Neste mundo, desenhos e humanos convivem normalmente. A construção desse universo já torna o filme bastante interessante. De objetos a edifícios de tamanhos completamente diferentes para adaptar as inúmeras formas dos seres membros desta sociedade, tudo é um deleite. Perceber como alguns desses desenhos se tornaram grandes estrelas de Hollywood e lançaram franquias como “Bebês Velozes e Furiosos”, “LEGO Miserables”, Meryl Streep como a protagonista de “Uma Babá Quase Perfeita” e… “Batman vs ET”. Sim, você leu certo, e tem até um pequeno trecho desta pérola.
Pérola esta que coroa a promessa inicial de participações das mais inusitadas ao trazer o Sonic Feio logo de cara. Sua presença é tão divertida que, de linchado virtualmente no lançamento do primeiro trailer do filme do porco-espinho azul, agora já tem inúmeros fãs pela internet. Imagina se isso dá a volta e ele ganha seu próprio filme? É um exemplo do poder de entretenimento deste longa.
A história principal gira em torno de uma organização criminosa que sequestra desenhos endividados para transformá-los em versões piratas deles mesmos e, assim, criar filmes de segunda categoria que, pelo jeito, rendem uma grana. É bem provável que você já tenha encontrado um DVD ou outro de exemplares da vida real em supermercados Brasil afora. Quando uma das vítimas é um amigo em comum (e ator da série em que trabalharam), Tico e Teco acabam se unindo para investigar. Os desafios residem em conseguirem salvar o dia e, quem sabe, sua amizade. É verdade que não é das jornadas emocionais mais profundas, mas funciona o bastante para gerar empatia com o público.
Sem contar que o elenco é formidável. John Mulaney faz um Tico mais pé no chão, tentando se valer de raciocínio lógico para conseguir pistas; já Teco é um eterno crianção, meio abobalhado, mas de coração puro, algo que encaixou como uma luva em Andy Samberg (o Jake Peralta de “Brooklyn Nine-Nine”).
“Tico e Teco: Defensores da Lei” chegou sem alarde e conquistou vários fãs. Com uso ímpar de metalinguagem para gerar humor e simpatia, traz os dois esquilos mais famosos da Disney de volta aos holofotes. Com participações insanas, referências hilárias, animação soberba e um roteiro sagaz, prova que os personagens clássicos do estúdio do ratinho mais famoso da história são, de fato, uma fonte de histórias incríveis em potencial. Fica a torcida para que, com o sucesso, outros ganhem obras atualizadas tão boas quanto.